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Mesmo com realidades e conjunturas distintas, protestos em todo o mundo trazem traços comuns em sua organização, mobilização e na resposta do Estado contra eles
Por Redação
Os idiomas eram francês, inglês, espanhol e português, entretanto, no primeiro debate desse sábado (25) do Conexões Globais, todos estavam falando a mesma língua.
Compunha a mesa diversos ativistas que personificavam o tema do debate sobre três anos de revoltas interconectadas, a mexicana Laura Citlali Murillo; os turcos Ahmet M. Ogut e Yldiz Termurtukan; o tunisiano Alaa Talbi e, do Brasil, o filósofo Rodrigo Nunes e representantes do movimento Parque Augusta.
[caption id="attachment_53" align="alignleft" width="387"] Participantes do debate “Três anos de revoltas interconectadas – de Túnis ao Brasil“[/caption]
Todos eles estiveram envolvidos com os recentes protestos em seus respectivos países. Que apesar de terem realidades e conjunturas distintas, traziam traços comuns em sua organização, mobilização e na resposta do Estado contra eles. Na Turquia, Ahmet Ogut participou ativamente do OccupyGezi, em Istambul. Ele conta que a internet foi essencial na divulgação em tempo real, dos eventos e da repressão policial turca contra os ocupantes do parque Gezi. Quando o governo passou a fechar e bloquear o acesso a rede, "os moradores da região passaram a abrir suas redes wifi e fornecer senhas para os manifestantes", conta Ogut. Outra prova da censura governamental, foi que, enquanto milhares de jovens eram reprimidos pelas autoridades, o principal canal na televisão turca transmitia um documentário sobre pinguins. O animal se tornou então o símbolo da resistência do movimento na Turquia.
A situação traz semelhanças no México. Laura Murillo conta que o movimento #YoSoy132 nasceu da manipulação dos meios de comunicação no país, que é monopolizado e anda em linha com o governo. Quando em 2012, às vésperas das eleições mexicanas, 131 estudantes chamaram de "Assassino", Enrique Peña Nieto, o candidato do partido PRI - que presidiu o país por mais de 70 anos - a mídia qualificou os jovens de vagabundos que não refletiam o pensamento do povo. O que se provou extremamento errado. "Se 131 podem se manifestar", conta Laura sobre a simbologia do número, "Eu posso ser o 132".
Saindo do México e indo para a Tunísia, na África, o coordenador do Fórum Social Mundial de 2013, Alaa Talbi, falou um pouco também sobre o que é lutar pelo direito da liberdade de expressão: "Ontem foi aprovada nossa nova Constituição", que segundo ele, traz em seu Artigo 6, a liberdade de consciência. "O que é muito importante em um país islâmico, pois significa liberdade de expressão". No entanto, ele salienta que muitas mudanças ainda precisam ocorrer na constituição e prevê que 2014 será um ano de manifestações na Tunísia.
Se todos esses casos contavam sobre o embate com o Estado, os jovens do Parque Augusta, através da webcam, explicaram o que esse lugar na região central de São Paulo representava: a população tendo o poder de decisão e gestão sobre o local. Lutando tanto contra o controle privado da especulação imobiliária e quanto o controle estatal. O que em caso de vitória, abriria um belo precedente sobre o poder da mobilização social contra a autoridade governamental e o poder financeiro capitalista. A internet no caso foi uma ferramenta essencial para a organização de diversos ativistas, que enxergam no Parque Augusta, um passo importante para um plano para a cidade inteira em termos de organização horizontal.
Baseado nisso, Rodrigo Nunes, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), explica a importância da rede, pois ela conversa com a rua, e ambas, se autoalimentam. Além do fato de que, como bem disse a ativista da Marcha Mundial das Mulheres, Yldiz Termurtukan, "Através da internet, conseguimos nos interconectar com as Filipinas ao Brasil, do México a Turquia". Desde o início do movimento, conta ela, existia uma dependência da internet. Por isso Rodrigo afirma que movimentos sociais se tornam referência. "O jovem brasileiro não vai se inspirar exatamente em Marighella e a luta contra a ditadura de tempos atrás, ele vai olhar para o que aconteceu na Turquia, mês passado."
Pode-se concluir que a internet é o único lugar realmente livre e isso é o que assusta o establishment no mundo inteiro, seja em um país com ditadura, seja um com democracia, pois conecta e inspira a sociedade civil ao redor do planeta. Nesses três anos de revoltas interconectadas, elas conseguiram triunfar? Não exatamente, mas como Rodrigo destaca, seria "uma desonestidade intelectual querer julgar eleitoralmente e dizer que nada mudou". Afinal, uma mudança estrutural leva tempo e não pode ser medida por eleições.