MONUMENTO. "O que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores.
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A palavra latina 'monumentum' remete para a raiz indo-europeias 'men', que exprime uma das funções essenciais do espírito (mens), a memória (memini). O verbo 'monere' significa 'fazer recordar' , de onde 'avisar', 'iluminar', 'instruir'. O 'monumentum' é um sinal do passado. Atendendo às suas origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordaç?o, por exemplo, os atos escritos.
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O monumento tem por características o ligar-se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é um legado à memória coletiva) e o reenviar a testemunhos que só numa parcela mínima são testemunhos escritos." (Jacques Le Goff - História e Memória - Ed Unicamp, 1992)
Preferi iniciar a contribuição pela citação de um cânone da historiografia, de modo a criar um nivelamento do entendimento.
Como podemos denotar, monumentos são resultado de uma escolha, instrumentos do poder a enviarem mensagens. Para serem erguidos houve também a decisão do apagamento (mas a esse apagamento não se designa por vandalismo, reflitam). São escolhas que perpassam o tempo e que são modificadas conforme o momento histórico. Por exemplo, o Palácio do governador espanhol em Cusco (Peru) foi erguido exatamente sobre o palácio do Inca, e hoje, pelos recursos da arqueologia, busca-se recuperar essas camadas, um coexistindo com outro; no Zócalo, na Cidade do México, ocorre o mesmo em relação aos Aztecas, em Roma também; há muitos exemplos.
Recusar a memória imposta, desapagar histórias, é um ato político. Também filosófico, de busca da verdade (ao menos a verdade possível de ser alcançada naquele momento histórico). Monumentos devem carregar, portanto, camadas a expressarem seus momentos históricos e disputas de poder. É o que está ocorrendo no mundo, em relação a Monumentos-símbolo do colonialismo e do racismo, seja no Reino Unido, nos EUA, nos demais países da América do Sul, África ou Ásia. Inevitável que esse movimento chegasse ao Brasil. Não se trata de um movimento iconoclasta, até porque os monumentos não são destruídos por inteiro; algo bem diferente da sanha imobiliária que destrói por completo edifícios-monumentos com o único objetivo de lucrar e acumular, conforme a lógica do capitalismo - interessante que muitos que tacham por vandalismo a ação em relação a algumas estátuas, não revelam a mesma indignação nesses casos. São movimentos estético-políticos em busca de uma nova narrativa, ou, ao menos, da possibilidade de poderem colocar novos personagens e enredos na narrativa histórica.
Com base nesse movimento, tais monumentos podem ser ressignficados nos locais em que estão (recebendo outras manifestações monumentais ou artísticas), ou transferidos para outros locais, como Museus ou Parques de Monumentos (na Europa do Leste há muitos).
Por isso, antes de escandalizarem-se de forma precipitada, censurando os atos como simples vandalismo ou esquerdismo infantil, melhor buscar compreender o que motiva essa indignação em relação a determinados monumentos, que, pela força simbólica, condensam essa "raiva". A partir dessa busca por compreensão cabe o diálogo quanto à forma. Outro aspecto é em relação ao papel dos poderes públicos e Conselhos do patrimônio histórico e artístico, que precisam compreender esse momento, formulando políticas públicas democráticas que deem conta do problema (sobre isso, tratarei em outra ocasião). Ao debate!
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum