Escrito en
COLUNISTAS
el
Em apenas uma semana, mesmo sob o impacto das revelações do Intercept, que ainda podem dar mais panos para mangas, Bolsonaro exonerou três generais do governo e foram afastados de forma grosseira altos funcionários civis do governo. Isso leva a uma pergunta: foi mera coincidência ou seria um movimento consciente de, diante de dificuldades políticas, “recuar para a frente”. Nesta última hipótese, estaria sendo afastada uma direita, digamos, moderada, para montar o governo com mais segmentos abertamente fascistas e fundamentalistas?
É difícil afirmar algo de forma definitiva.
No entanto, é perfeitamente possível que, apesar do jeito destrambelhado do presidente, estejamos diante de decisões conscientes e dotadas de lógica. Elas apontariam, mais adiante, para uma ruptura institucional, ou, o que talvez seja uma forte alternativa, para uma certa asfixia das instituições republicanas. O que veríamos, então, seria algo mais próximo do que ocorreu na Turquia, com Erdogan, ou na Hungria, com Viktor Orbán.
Um desdobramento como este teria o apoio entusiasmado da parcela mais fanática e radicalizada da direita que, recentemente, foi para as ruas em apoio a Bolsonaro nas manifestações que tiveram como alvos principais o Congresso e o STF, deixando a esquerda em segundo plano.
Se isso acontecer - por enquanto é apenas uma hipótese – o governo veria estreitada, num primeiro momento, sua base de apoio, mas teria consigo um pessoal mais aguerrido. Dentre os militares, estaria apoiado pela ala representada pelo general Augusto Heleno, aquele que dá socos na mesa indignado com a corrupção, embora tenha trabalhado com Carlos Artur Nuzman. No governo, aumentaria ainda mais a influência do astrólogo Olavo de Carvalho e dos filhos do presidente. Da mesma forma, os evangélicos fundamentalistas, como Silas Malafaia, teriam mais espaço. E, claro, ficariam fortalecidos os ícones da “luta contra a corrupção”, como Sérgio Moro e Dalton Dellagnal no Judiciário e no Ministério Público. Isso não significaria a perda de espaços dos ultra-neoliberais, como Paulo Guedes – até pelo contrário. Basta ver que tal como no Chile de Pinochet, para quem Guedes trabalhou, o aumento do autoritarismo ajudaria a implantar “reformas” em seu estado mais puro, sem grandes concessões.
Se esse quadro se configurar, possivelmente as milícias ganhariam ainda mais corpo e teriam maior liberdade de ação, não estando descartada a possibilidade de ficar reservado a elas o papel de intimidação/eliminação física de opositores políticos, tal como ocorreu na Argentina com a chamada Triple A.
O regime teria uma cara mais marcadamente fascista, pelo apoio ativo e militante de uma parcela de massas, ainda que, como na Turquia ou na Hungria, pudesse tentar não se caracterizar abertamente como uma ditadura. Assim, na hipótese de o Congresso e o Supremo não serem fechados ou mutilados, funcionariam com cabresto e rédea curta. A imprensa crítica seria comprada ou intimidada. As tais “reformas” que retiram direitos dos trabalhadores e entregam na bacia das almas o patrimônio público e as riquezas do país ao grande capital internacional, seriam implementadas a ferro e fogo, sem a necessidade de maiores “negociações” com parlamentares. E a repressão trataria de remover problemas trazidos pela resistência das ruas.
Figuras como Rodrigo Maia, hoje o mais importante representante da direita no Congresso, perderiam espaço e importância. Partidos de esquerda e entidades de trabalhadores seriam perseguidos, com ou sem margem legal para isso. Enfim, teríamos um quadro com algumas semelhanças ao da Alemanha nos anos 30, quando da ascensão do fascismo – ainda que não necessariamente com a mesma radicalidade e o mesmo desfecho dele.
Isso tudo, claro, é uma possibilidade. Seria preciso “combinar com os russos”, porque haveria resistência, não só nas ruas, como nas instituições que perderiam poder, como o Judiciário e o parlamento.
O dito acima não é exatamente uma previsão. Há, claro, a possibilidade de o grande capital e a direita dita “civilizada” controlarem a situação – seja domesticando Bolsonaro, seja pela solução Mourão, seja pela implantação do parlamentarismo.
E, claro, não se pode descartar uma saída em que o protagonismo popular tenha mais peso.
É nela que os segmentos democráticos e progressistas devem apostar.