Uma curiosa história de preconceito: a esquerda e a direita ao som do rock and roll

Raphael Silva Fagundes: “Não basta reclamar ou denunciar cada medida espúria adotada pelo novo governo. É preciso refletir sobre os aspectos que mais estão em contato com os consumidores de tecnologia e da cultura de massa”

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[caption id="attachment_147344" align="alignnone" width="480"] Foto: Reprodução/YouTube[/caption] O historiador Eric Hobsbawm dá pouco destaque ao rock em sua obra “A era dos extremos”, mas reconheceu que tal gênero musical captou o idioma dos adolescentes e fato de ser “derivado do blues urbano autóctone dos guetos negros da América do Norte”. Contudo, pouco se sabe que a origem do rock and roll foi marcada por um grande racismo. Havia uma grande preocupação por parte da elite em relação à exposição dos adolescentes brancos à música negra. A Igreja, os professores e os pais recriminavam a nova batida. Sinatra dizia que era “a música marcial para todo delinquente de costeletas”. Fórum precisa ter um jornalista em Brasília em 2019. Será que você pode nos ajudar nisso? Clique aqui e saiba mais As grandes gravadoras tocavam o ritmo do rock mudando as letras, para obscurecer a origem negra delas. A banda “The Chords”, por exemplo, não conseguiu entrar nas paradas de sucesso, mas o cover da banda branca “Crewcuts” fez sucesso o suficiente para tornar-se o primeiro lugar no final da primeira metade dos anos 1950. O rock original, feito pelos negros, só conseguiu espaço porque o rádio precisava de um novo mercado, pois estava perdendo espaço para a televisão. O adolescente se tornou um consumidor promissor... Bill Haley, Chuck Berry não foram suficientes para explodir o rock and roll. Little Richard sonhava ser o rei do rock, mas era “negro demais para conseguir a coroa que ele tão desesperadamente queria”, destaca Paul Frieflander, historiador do Rock. O rock só explodiu quando se tornou branco. E foi com Elvis Presley. Além de branco o rock precisava se tornar conservador, porque as letras dos negros eram um tanto quanto rebeldes em pleno período reacionário marcado pelo machartismo. Por isso, Elvis dedicou-se ao amor e, mais tarde, se alistou no exército americano. Foi a estratégia de marketing adequada para transformar o rock num produto vendido em massa, um componente básico da indústria cultural, sendo consumido até  mesmo pelos pais brancos que o criticavam. O rock seguiu com essa contradição. Um caminho para transmitir os conflitos políticos de uma época. Exemplo disto foi o que aconteceu na Londres de meados dos anos 1970. O surgimento do punk é curioso. O baixista Glen Matlock, o baterista Paul Cook e o guitarrista Steve Jones, eram ex-skinheads que se uniram a John Lydon para formar o “Sex Pistols”, uma banda que contestava o sistema a ponto de chamar a rainha de fascista. A aliança da Frente Nacional com os skinheads, usados como tropas de lutadores de rua, promoveu o surgimento de um cenário musical neonazista. Nasce um movimento chamado “Rock contra o comunismo” em meados dos anos 1970. Eles pregavam a xenofobia. Usavam a música popular para dar “vitalidade e agressão ao movimento anteriormente apoiado por reacionários de meia-idade ou idosos”, explica Nicholas Goodrick-Clarke. Mas esse movimento foi criado para combater os punks que organizavam shows patrocinados pelo “Rock Against Racismo” e pela Liga Antinazista. Nesses shows tocava o “The Clash”, que diferente dos “Pistols” desenvolveu uma visão mais militante. Inclusive o “Clash” tinha uma forte relação com o movimento negro e musicalmente introduzia elementos do reggae em certas músicas. Punks e rastafaris simpatizavam da repressão policial, não é à toa que em “Guns of Brixton”, com forte sonoridade reggae, se pergunta: “Quando a polícia entrar arrombando a porta, você morrerá com as mãos na sua cabeça ou com uma arma na mão?”. Mais tarde o “Clash” iria lançar o álbum “Sandinista”, em homenagem à revolução socialista que acontecia na Nicarágua. Um disco triplo que na verdade era uma celebração à vitória dos revolucionários. O rock, portanto, é marcado por uma história social que trafega por ideias políticas conservadoras e progressistas. A direita sempre tenta boicotar o Rock and Roll, o que deu certo com Elvis (até em relação à hipocrisia moral foi bem-sucedido), mas se frustrou na questão do punk. O disco “London Calling”, do “Clash” ganhou em 1989 o 1° lugar na revista “Rolling Stones” como o melhor álbum dos anos 80. E foi fundamental para voltar às raízes do rock, que estava sendo destruído pelo pop rock de Elton John e pelos solos de guitarra complexos. Esses dois pequenos episódios servem para ilustrar como alguns elementos da cultura popular foram manuseados em prol de interesses políticos. O mesmo podemos ver no cinema, nas mídias em geral e em outros aspectos da manifestação humana. Acho que a crítica ao sistema deve ser feita através destas manifestações, visto que os fatos não convencem mais. Não basta reclamar ou denunciar cada medida espúria adotada pelo novo governo. É preciso refletir sobre os aspectos que mais estão em contato com os consumidores de tecnologia e da cultura de massa. Agora que você chegou ao final deste texto e viu a importância da Fórum, que tal apoiar a criação da sucursal de Brasília? Clique aqui e saiba mais