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[caption id="attachment_139265" align="alignnone" width="700"] Queda do Muro de Berlim - Foto: Jim Garamone/Fotos Públicas[/caption]
No início dos anos 1990, com a queda soviética diante dos Estados Unidos, na Primeira Guerra Fria, o sistema internacional viveria uma década unipolar, com a hegemonia indiscutível da superpotência estadunidense e, consequentemente, a imposição planetária de sua ideologia neoliberal.
As causas deste evento são complexas e variadas, mas podem ser aqui resumidas como sendo a derrota de um projeto socialista que não alcançou romper com as estruturas do modelo alienado de trabalho capitalista, construído durante séculos.
Vale recordar que, nos anos 1960/1970, a crise econômica regressa ao cenário global, após os 20 anos ditos “dourados” do pós-Segunda Guerra, em que a economia foi aquecida pela autodestruição europeia. Neste período, a URSS vai se fragilizando econômica e militarmente, ao tentar enfrentar, sob regras alheias às suas, a famigerada “competitividade” ocidental; buscando sem êxito manter unidas a competição econômica mercadológica e as políticas de bem-estar social (que o Ocidente já tinha banido de sua agenda desde a ascensão de R. Reagan e M. Thatcher).
Contudo, a avidez geopolítica do Império do Norte, nestes dez anos de poderio incontestável, se mostraria um grave erro de cálculo. Vejamos.
Primeiro, em 1991, os EUA bombardeiam o Iraque e retomam o controle do petróleo do Golfo Pérsico, restaurando o poder de seu aliado emir, na nação-fantoche do Kuwait.
Em seguida, em meados dos 1990, sob o disfarce da bandeira da OTAN, invadem, destroem e dividem a Iugoslávia (segunda potência socialista europeia, à época da URSS). Em paralelo, com o discurso de “movimento defensivo”, fazem as bases da OTAN paulatinamente avançarem sobre a Europa Oriental, para logo se apossarem de algumas das antigas repúblicas soviéticas (como as do Báltico, a Ucrânia e a Geórgia) – histórica esfera de influência da Rússia.
Na entrada do novo século, o neoliberalismo está bastante desgastado junto à opinião pública mundial, especialmente após as inúmeras crises econômicas regionais dos 1990 na periferia global (América, África e Ásia). É nesse tempo que uma nova crise econômica, agora mundial, dá as primeiras mostras de seu agravamento (cujo ápice se veria em 2008).
Nesse cenário desfavorável, os Estados Unidos, prevendo um período de declínio, tentam nova cartada de fogo, encontrando no “terrorismo” – que supostamente estaria a “ameaçar” a civilização ocidental – o álibi moral para ser vendido através da mídia corporativa a seus ouvintes da chamada “comunidade internacional” (eufemismo para designar a opinião pública dos países centrais – ricos e com grande força político-militar).
Em 2001, os EUA dão um grande passo geoestratégico (que alguns anos depois já se mostraria falido): avançam por sobre um território de primeira grandeza no jogo de poder internacional, o Afeganistão. Esta nação, para além de suas grandes reservas energéticas, está situada no centro da Eurásia, entre a Rússia e a China (grandes potências que os EUA, nesse tempo, ainda pretendiam domesticar), além da proximidade com o Oriente Médio (imensas reservas de petróleo) e com a própria Índia (nação superpopulosa e também “potência”, já que possuidora de armas nucleares).
Se o avanço das fronteiras da hiperpotência, mediante a OTAN, incomodava as potências nucleares da Eurásia, não houve uma reação significativa até a guerra em território afegão – pois desde a vitória na Primeira Guerra Fria, a unipolaridade estadunidense no sistema internacional era incontestável.
Tanto a Rússia como a China, principais oponentes ameaçados pelos EUA, aceitaram forçosamente o pretexto e o “direito” dos EUA em revidar o contra-ataque sofrido em setembro de 2001.
O início do fim da unipolaridade
Embora uma tentativa de coalizão anti-hegemônica, a partir da aproximação entre as potências da Eurásia, já começasse a ser desenhada desde meados dos 1990 – quando é fundada a Organização para a Cooperação de Xangai (OCX) –, é somente em 2002 que se consolida tal aliança estratégica, passando desde então a se ampliar rumo ao Sul emergente (como se veria no fenômeno dos BRICS, alguns anos depois).
Com a invasão do Iraque em 2003, sob falsas denúncias de armas químicas (como logo foi admitido até pela mídia empresarial), o cenário do poder internacional se modifica substancialmente. E ao que parece, entre idas e vindas, de modo definitivo: rumo a uma nova ordem pautada pela multipolaridade.
Em um início de século de abusos financeiros e gastos bélicos incalculáveis – e tendo por pano de fundo uma duradoura crise econômica que se gestava –, esses tantos movimentos bélicos dos EUA não só debilitam gravemente a economia do país (como fica explícito em 2008), como ainda, em resposta a sua agressividade imperial, induzem à formação de uma inédita aliança entre potências emergentes (incluindo históricos rivais regionais), em torno de uma proposta anti-hegemônica de divisão do poder global.
Foi assim que se inicia a aproximação geoestratégica entre as potências da OCX e do IBAS – aliança entre os emergentes Índia, Brasil e África do Sul, conformada paralelamente à OCX, em 2003.
O efeito desta proximidade não tardaria. No ano de 2006, em reunião entre os descontentes ministros de relações exteriores do Brasil, Rússia, China e Índia, durante Assembleia Geral das Nações Unidas, é lançada a semente de uma nova e potente aliança – os hoje chamados BRICS (a África do Sul se une ao grupo em 2011).
Marco da nascente multipolaridade, os BRICS, apesar de não serem efetivamente uma coalizão anticapitalista, configuram-se ao menos como uma respeitável frente geopolítica antineoliberal.
E apesar da nova onda de golpes reativos com que os EUA tentam manter sua decadente hegemonia (especialmente em seus “quintais”, como Brasil, Argentina etc), essa divisão multipolar do sistema parece consolidada, prometendo novidades e, quem sabe, caminhos para um desenvolvimento menos dependente – não subalterno aos centros globais.