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Será que aqui a analogia da linguagem com o jogo não nos será esclarecedora? Podemos muito bem imaginar que pessoas se divertem num campo jogando bola e de tal modo que comecem diferentes jogos existentes, não joguem muitos deles até o fim, atirem a bola entrementes para o alto ao acaso, persigam-se mutuamente por brincadeira, atirando a bola, etc. Então alguém diz: durante todo o tempo aquelas pessoas jogaram um jogo e se comportaram, a cada jogada, segundo determinadas regras.
E não se dá também o caso em que jogamos e – ‘make up the rules as we go along’? E também o caso em que as modificamos – as we go along.
Ludwig Wittgenstein
Quem viu o último jogo das oitavas de finais entre Colômbia e Inglaterra pôde perceber que não é apenas o Neymar que simula. Os jogadores não se intimidaram com o VAR, o árbitro de vídeo, e continuaram a fazer o que sempre fizeram. Arrisco a dizer que até aumentaram a simulação. Mas podemos tirar uma reflexão filosófica e retórica de tudo isso. Ninguém pode dizer que o céu não é azul em um dia ensolarado de verão. Mas se poderá dizer se é belo ou não, se é justo ou injusto ter feito sol naquele dia, se é bom ou ruim etc. A retórica age sobre a evidência, jamais poderá negá-la mas procurará persuadir através da evidência e dos recursos linguísticos e psicológicos a disposição do orador, o ouvinte a agir, a pensar e a julgar de uma determinada maneira. O lugar de fala é de extrema importância. Por isso é preciso destacar que a retórica vem sendo objeto de análise de diversos historiadores desde os anos 1970. Hayden White, Quentin Skinner, Carlo Ginzburg, Dominick LaCapra, José Murilo de Carvalho, entre outros, vem se dedicando ao tema reforçando os laços entre história e retórica. Eu mesmo venho me dedicando a essa questão a alguns anos. Mas seria possível ver retórica em um jogo de futebol? E porque não? As simulações promovidas pelos jogadores são também estratégias retóricas que buscam interferir no julgamento do árbitro. O gesto, o grito e se lançar ao chão fazem parte de uma cenografia que visa convencer o árbitro a parar a partida em prol de uma causa. O árbitro de vídeo serviu para nos ampliar o sentido da evidência. Como um cientista o juiz consegue reproduzir o acontecimento varias vezes até chegar a uma conclusão. Mas compreender sempre será interpretar, nos ensinou Wittgenstein. Não importa a evidência, o objetivo do jogador será sempre influenciar a interpretação do árbitro. Aristóteles dizia que a retórica trabalha com o provável, o verossímil. E ao longo da história da filosofia aprendemos com Kant que o real é incognicível. Nós inventamos linguagens para lidar com as evidências que por sua vez só podem ser encaradas mediantes formações discursivas que possuem uma época e um lugar. Já chegamos em Foucault. O fato é que as simulações promovidas por Neymar e por outros jogadores da Copa, não é algo fora da regra, pelo contrário, é uma estratégia para que ela seja aplicada. É moralmente errado em um mundo regido por outras regras. Mas as regras que regem o jogo são outras e possuem suas próprias linguagens, por conseguinte suas próprias estratégias de persuasão. Hoje, reclamamos mais porque sabemos que o jogador pode ter acesso a evidência através do árbitro de vídeo. E pensamos retoricamente que pelo fato de haver evidência não adianta mais simular, “mentir”. Mas isso é uma ilusão. O que nos convence é a descrição. O que vem primeiro, a fé ou o milagre? Era uma das questões discutidas entre os irmãos Karamazov. Para um ateu, acredita Ivan, se Jesus aparecesse em sua frente, afirmaria que se trata de uma ilusão, caso contrário ele seria um homem de fé. Basta estar convencido de algo para acreditar, dizia Aristóteles. Até a ciência trabalha a partir do consenso, não é disso que se trata os paradigmas de Thomas Kuhn? Os jogadores estão jogando com a linguagem própria fornecida pelas regras que o futebol lhes oferecem. São hábeis, retóricos por excelência e não acredito que isso seja um ato de má fé. São como advogados que sabem ser persuasivos perante um júri.