Escrito en
COLUNISTAS
el
É preciso falar sobre drogas.
Ou seja: conversar sobre o cigarro, sobre o álcool; sobre os ansiolíticos, antidepressivos, tranquilizantes, estimulantes, analgésicos vendidos nas farmácias em quantidades cada vez maiores. E refletir sobre a maconha, sobre a cocaína, o ecstasy, o ácido, o crack.
Falar sobre a regulamentação de todas as drogas é falar sobre saúde pública e direitos humanos. É tratar de uma questão de vida e morte para milhões de trabalhadores e trabalhadoras, sobretudo de jovens, pretos e periféricos.
Tem a ver com garantir liberdades individuais e direitos democráticos? Tem, mas é muito mais que isso.
Precisamos conhecer os critérios que historicamente determinaram quais substâncias podem ser consumidas de forma lícita e quais devem ser proscritas. Entender que o crime organizado - lado B do capital internacional - é o maior beneficiado pelas políticas proibicionistas (que reprimem certas drogas em nome da saúde, mas liberam tantas outras). Business, as usual.
A chamada “guerra às drogas” é um arcabouço político-normativo internacional complexo. Alimenta lucros exorbitantes e promove interesses geopolíticos dos EUA - viabilizando o encarceramento/extermínio de milhões de pobres, jovens, latinos e pretos. O proibicionismo não tem nada a ver com questões morais ou de saúde. Essa parte é puro discurso de legitimação.
Esse tema é espinhoso, delicado, constrangedor, difícil, polêmico? É, e muito - por várias razões.
O discurso moralista e hipócrita é hegemônico, construído há quase 100 anos, cotidianamente. Combater o perigo das drogas é ponto chave na propagação do conservadorismo e reprodução dos valores machistas, moralistas, repressores, de controle da sexualidade, do corpo. Escolas, igrejas, meios de comunicação, todo tipo de instituição reforçam a ideia de que algumas drogas são altamente prejudiciais e devem ser proibidas.
Há pouco espaço para discussões racionais, com argumentos e dados.
Pouca gente sabe que o álcool é a droga que mais mata nas Américas. Ou que seu consumo cresce no Brasil, que é um baita problema maior entre jovens, que a epidemia de mortes no trânsito está associada ao álcool. Por que ninguém cogita (ainda bem) criminalizar o consumo da cerveja, da cachaça, do vinho ou do uísque?
Reparem que a conta não fecha. Há drogas legais e socialmente estimuladas que têm impactos mais danosos que outras, como a maconha, que são totalmente proscritas.
Isso para não falar nas milhares de mortes e milhões de doenças causadas diretamente pelo tabagismo, a cada ano. Aliás, um caso emblemático de sucesso das políticas de prevenção e regulação, que servem de parâmetro para como lidar com TODAS as drogas.
Desde a implementação das campanhas anti-cigarro, do veto ao fumo em locais públicos, restrições à publicidade e outras medidas governamentais, caiu de 15% para 10% a prevalência de fumantes entre a população.
E o Rivotril e assemelhados? No Brasil, segundo algumas estatísticas, pulamos de um patamar de consumo de cerca de 30 mil para quase 30 milhões de caixas por ano desse tipo de medicamento a cada ano! Há uma explosão do uso de “tarja pretas”, com pouco controle e nenhuma política de prevenção e educação. Mas, quem tem acesso a essas informações e quem se preocupa com isso, afinal?
Desmontando a máquina de matar e prender
Criminalizar a maconha, cocaína, crack e outras drogas é o centro de uma política de guerra, sim.
De guerra a milhões de trabalhadores e trabalhadores que moram nas periferias, nas favelas, que são jovens e pretos. É uma guerra contra pessoas, não contra produtos químicos!
Quase 63 mil brasileiros e brasileiras foram assassinados em 2016 – 70 % são pretos/pardos. Em nossas cadeias, hoje, apodrecem mais de 720 mil pessoas. Também “quase todos pretos” – e jovens. Só que 40% dessa gente não foi nem julgada - são presos provisórios.
A tal “guerra às drogas” que criminaliza algumas substâncias (mas libera tantas outras) é o alicerce, é a justificativa, é a razão de ser das políticas de extermínio e encarceramento em massa de jovens pobres pretos no Brasil.
Portanto, o fim do proibicionismo e uma nova política de regulamentação das drogas não são reivindicações de interesse apenas dos “maconheiros”, ou do “povo dos direitos humanos”, ou da “juventude transviada”, muito menos dos “sectários do movimento negro”.
Trata-se de uma agenda contemporânea, urgente, radical e corajosa. Uma pauta que pode mudar a vida de milhões e milhões de pessoas.
E quando a gente fala em descriminalizar, ou legalizar é preciso ficar nítido: não é o “liberou geral”. Muito menos a apologia ao consumo.
Estamos falando de regulações restritas, de políticas de saúde e educação, de redução de danos, de combate ao narcotráfico e à corrupção.
Sim, porque ao regulamentar a produção e consumo das drogas que hoje são proibidas estaremos tirando milhões de dólares das mãos das facções criminosas - do sistema financeiro internacional e também de agentes do Estado, como policiais, juízes e promotores.
Um bom jeito de começar a enfrentar o problema é seguir boas práticas internacionais (Holanda, Portugal, Uruguai, EUA, Canadá) e regulamentar a maconha. Começando pelo uso medicinal e avançando para o uso recreativo. Porque, além de tudo, existe um mercado imenso que já começa a ser explorado (e monopolizado) por empresas norte-americanas.
Vejam: estamos falando aqui de políticas públicas. Estamos tratando de redução de danos – ou seja, de respeito a autonomia de cada indivíduo, mas sem abrir mão do acolhimento, da proteção integral, da assistência, da promoção da saúde. Falamos de políticas de educação e prevenção. Falamos de saúde pública.
Nesse sentido, acertou em cheio o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) que apresentou um abrangente projeto – o 10549/2018 (https://www.conjur.com.br/dl/projeto-lei-propoe-regulamentacao-uso.pdf) - legalizando o consumo e produção da cannabis no Brasil. É um excelente instrumento para provocar o debate, inclusive no interior do PT.
Porque legalizar e regulamentar a produção, distribuição e consumo de drogas não é um algo menor ou acessório - é parte essencial de um programa democrático-popular para o Brasil. E precisa fazer parte do programa de governo #LulaPresidente.
Seria bom demais que a esquerda como um todo se debruçasse sobre essa questão.