Dizem os jornais, sobre números divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), que o investimento público no Brasil, em 2017, foi o mais baixo dos últimos 48 anos: apenas 1,17% do Produto Interno Bruto (PIB), somando os governos federal, estaduais e municipais, mais as estatais de todos os três níveis.
Isso significa que, na prática, nenhuma escola, nenhum hospital foi construído, assim como nenhum novo empreendimento produtivo – por exemplo, nas áreas, como o petróleo, em que o setor público tem um papel decisivo.
Parece ruim, pois a população não somente continua aumentando, como são evidentes as várias carências de nosso povo no que tange à Educação, Saúde e demais serviços públicos.
Mais é muito pior do que isso.
Primeiro, porque este resultado, por si só, somente, é o pior em 48 anos, desde o começo da estatística em 1970.
Se tomarmos uma estimativa, como a realizada pelos pesquisadores Rodrigo Orair e Sergio Gobetti, do IPEA, veremos que o investimento público atual é inferior ao de 1947 – ou seja, é o pior em, pelo menos, 71 anos.
Em resumo, o investimento público atual está no patamar da República Velha, antes que a Revolução de 30 transformasse o Brasil em um país moderno.
Pior ainda, é que, os R$ 76,9 bilhões, considerados para o cálculo dos 1,17% do PIB de investimento público, são, a rigor, fictícios.
Por exemplo, vejamos os investimentos públicos federais.
Em 2017, segundo o Tesouro, os investimentos federais montaram a R$ 45,1 bilhões.
Mas isso é o que foi empenhado. Não o que foi pago.
Na verdade, desses R$ 45,1 bilhões, somente foram liberados R$ 18,4 bilhões.
Enquanto isso, foram gastos R$ 320,4 bilhões com amortização da dívida (fora o refinanciamento, que foi a R$ 462,6 bilhões) e mais R$ 386,2 bilhões com juros (v. BGU e Nota de Política Fiscal, dezembro 2017).
E, para piorar mais ainda, é que os gastos públicos sequer conseguiram cobrir a manutenção do que já foi construído, ou seja, o custeio.
É óbvio que com esse nível de investimento e de gasto público, imposto pelo “ajuste” de Levy e Meirelles, o país não vai sair da crise.
Mais óbvio ainda é que, com o desvio do dinheiro público para a órbita financeira – ou seja, o sistema financeiro parasitário, as grandes necessidades do povo brasileiro continuarão sem atendimento. Pelo contrário, essas necessidades tendem a se tornarem mais agudas, mais dramáticas, mais trágicas, mais urgentes.
O marketing da “recuperação econômica” que tenta esconder essa catástrofe é uma mentira, incapaz de substituir a realidade, ou seja, a verdade.
No entanto, como sempre acontece nas horas de extrema devastação de um país, os governantes – e seus minguantes apoiadores – despedem-se da realidade. E até é provável que comecem a acreditar em sua própria mentira, envenenando-se com o tóxico que querem servir aos outros. Pena que existem políticos que mesmo sabendo desta farsa, ainda se prestam a sustentar este governo, notadamente entreguista, sem sequer olhar no destino do povo brasileiro.
Em 1930, Washington Luís pensava estar firmemente assentado no poder, mesmo depois que as tropas revolucionárias do Sul, lideradas por Getúlio Vargas, já estavam em marcha para o Rio de Janeiro, com Minas Gerais e o Nordeste sublevados.
Existe algo de parecido, quase folclórico nos dias e hoje, quando se ouve falar que Temer – ou Meirelles – pretendem se candidatar à Presidência.
Não será um delírio?
Acreditamos que sim, pois na situação atual, onde a pregação à restrição ao investimento público é, mais que sintoma, uma das causas, é consequência da política desses elementos – o que é perfeitamente identificado pela população.
É verdade que essa restrição não começou com eles – a rigor, desde 2011, como apontou a professora Denise Gentil, o investimento público está caindo. O que teve uma relação direta com a desaceleração do crescimento econômico – e do bem-estar social.
Mas, foi a partir de 2015, e, sobretudo, com Temer e Meirelles, que a destruição do país foi sistematicamente implementada.
É interessante, quando vemos a crise atual, olhar para o nosso passado.
Em uma publicação do IBGE, lançada em 2006 – ou seja, antes da crise atual, e, também, da crise do final de 2008 – podemos ler:
“... 9 dos últimos 20 anos do século [XX] foram de crises que se destacaram pela severidade e duração. A crise de 1981-1984 foi a mais severa com queda de 12% do PIB per capita e a crise de 1988-1994 a mais prolongada, com duração de oito anos. Nos 50 anos da fase de substituição de importações ocorreu uma única crise no período de 1963-1965, ainda assim relativamente breve e suave com queda de 2% no PIB per capita” (IBGE, Estatísticas do Século XX, E. Reis, F. Blanco, L. Morandi, M. Medina, M. de Paiva Abreu, “Século XX nas Contas Nacionais”).
Resta dizer que a crise de 1963-1965, como observou Celso Furtado, foi, senão criada, pelo menos agravada, e muito, pela “reforma cambial” de Jânio Quadros, que, para atender a injunções externas, provocou uma abrupta perda de receitas públicas. Ou seja, não foi uma crise do nacional-desenvolvimentismo (que, no texto do IBGE aparece como “fase de substituição de importações”), mas uma crise provocada pela tentativa de dinamitar o nacional-desenvolvimentismo, afinal abortada pelas contradições e pela renúncia de Jânio Quadros.
Hoje, quando a política antidesenvolvimentista e antinacional conduziu nosso país a um abismo, nos parece evidente que temos de recuperar a política que conduziu o Brasil ao maior crescimento entre as nações capitalistas no período que vai de 1930 a 1980.
Mas que política é essa?
Falando, em 1957, no encerramento da Convenção do seu partido, o então vice-presidente da República, João Goulart, fez algumas observações importantes:
“Não somos um partido de cúpula, o que nos tornaria indiferentes às reações individuais das medidas de ordem geral. A nós o que nos preocupa, antes de tudo, é o homem, é a pessoa humana, na plena e bela expressão de sua grandeza eterna. Nossos interesses pelos problemas econômicos, por exemplo, não se reduzem à simples análise das cifras, mas antes às verdadeiras repercussões que elas possam dar ao sentido humano de cada um”.
E, mais adiante, disse Jango:
“Atingimos um nível de progresso material e de maturidade política incompatível com tutelas odientas e privilégios injustos. Nada pode prevalecer sobre nossa soberania e segurança. Não somos isolacionistas, não receamos a cooperação da técnica e dos capitais estrangeiros, mas repelimos a alienação de nossas riquezas. Temos de resguardar a todo custo as nossas indústrias básicas e impedir que acordos desfavoráveis comprometam a nossa própria soberania. ”
Nesse discurso, ele cita a mensagem do presidente Getúlio Vargas, em maio de 1952, quando Jango assumiu a presidência do PTB:
“Uma certeza me conforma, a certeza de que sereis os guardas vigilantes, os continuadores e os aperfeiçoadores de minha obra que, graças à vossa energia e à vossa fé, há de sobreviver, há de perpetuar-se nas gerações vindouras como expressão de um Brasil consciente de si mesmo, que renasceu definitivamente para um mundo melhor”.
Aqui temos a essência do nacional-desenvolvimentismo.