13 de dezembro de 1968. Uma única voz no governo militar se levanta contra o Ato Institucional n. 5, AI-5, Pedro Aleixo, vice-presidente civil do general Costa e Silva. Antes da votação no conselho de ministros, ele alerta: “Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país; o problema é o guarda da esquina”. Sob o argumento de combater a subversão e a corrupção, o AI-5 institui o Estado de Exceção no Brasil, lançando o país na mais longa noite de terror, que durou dez anos. Como medidas previstas:
- Possibilidade de o Executivo legislar por Decreto-Lei;
- Poder ao presidente da república para decretar intervenção nos estados e municípios, sem limitações constitucionais;
- Suspensão dos direitos políticos de qualquer cidadão brasileiro pelo período de dez anos;
- Proibição de atos e manifestações de caráter político;
- Censura prévia para jornais, revistas, livros, peças de teatro, cinema e músicas;
- Poder ao presidente da república para cassar mandatos parlamentares em todos os níveis;
- Confisco de Bens em casos de corrupção;
- Suspenção do Habeas Corpus e dos direitos individuais.
Mesmo assim, Pedro Aleixo seguiu no governo ditatorial, até ser afastado do cargo de vice-presidente quando da morte de Costa e Silva, em 31 de agosto de 1969, tendo seu mandato sido declarado extinto em 6 de outubro de 1969, com o AI-12, em apenas 10 meses sete atos de exceção haviam sido decretados. O resultado daqueles “anos de chumbo”, a história já relata: assassinatos de opositores políticos, torturas, exílios, banimentos. E corrupção correndo solta, só que desta vez, com a imprensa e os órgãos de Estado impedidos de denunciar e tomarem providências.
Apenas para rememorar os casos de corrupção sob o Regime Militar:
- Contrabando na Polícia do Exército (2 Batalhão da Polícia do Exército do Rio de Janeiro), comandado pelo capitão Ailton Guimarães, depois um conhecido “bicheiro” na cidade do Rio de Janeiro, em que pelotões do exército eram usados para escoltar e intermediar crimes;
- Corrupção e sequestros para financiar o “Esquadrão da Morte”, no combate à oposição operária e de esquerda, comandado pelo delegado paulista Sérgio Paranhos Fleury;
- Extorsões e corrupções praticadas pelos governadores biônicos, como o governador no Paraná, Haroldo Leon Peres, o ‘ladrão de Maringá’ e Paulo Maluf, entre outros; o caso Lutfala, também envolvendo Paulo Maluf, com financiamentos pelo BNDES;
- Corrupções na construção das grandes hidrelétricas, Tucuruí no Pará, Itaipu Binacional, entre outras, e que estão na gênese da formação das megaempreiteiras com modelagem de negócio baseada na corrupção, como agora se revela nos casos da Lava-Jato;
- Recebimento de propina em negócios com multinacionais, como venda de locomotivas da General Electric para a Rede Ferroviária Federal, Down Química, etc, etc.
- Caso ‘Coroa-Brastel’; o “escândalo da Mandioca”; Grupo Delfin, de caderneta de poupança e crédito imobiliário; caso Capemi, administrado por militares, cujos desvios foram registrados no dossiê Baumgarten, com seu autor, jornalista Alexandre Von Baumgarten, colaborador do Serviço Nacional de Informações –SNI- vindo a ser assassinado em 1982;
- Mordomias do regime militar, em que ministros chegavam a contar com 28 empregados domésticos, pagos pelo contribuinte; com cabos e sargentos tendo que prestar serviços domésticos a oficiais militares e com generais recebendo US$ 27 mil (R$ 90 mil em valores atuais) para custearem mudança de endereço para Brasília, além de receberem casa decorada, com um mínimo de 3 empregados pagos, casas de veraneio, um mínimo de dois carros oficiais por general, voos exclusivos em jatos da Força Aérea, entre outras mordomias e prebendas.
Enfim, as arbitrariedades e problemas gerados pela Ditadura Militar não foram apenas aqueles criados pelos guardas de esquina. Mas ficou a frase emblemática.
19 de março de 2018. Alfredinho, 74 anos de idade, dono de um dos bares mais tradicionais de Copacabana, no Rio de Janeiro, o Bip Bip, é conduzido à Delegacia de Polícia; o motivo: um Policial Rodoviário Federal, em folga, cria confusão no bar por causa de uma homenagem que os frequentadores estavam fazendo para a vereadora executada, Marielle Franco. Foi uma discussão de madrugada em um bar. O policial sai e, vinte minutos depois, volta gritando: “voltei e estou a fim de dar uns tiros”, segundo testemunhas presentes, conforme matéria no jornal Folha de São Paulo. Junto dele, outros policiais rodoviários e uma viatura da Polícia Militar, no que o policial, promotor da confusão, diz: “sou policial rodoviário federal e o dono do bar é meu conduzido!”. Uma noite de arbitrariedade em mais uma cena da noite carioca, só que recheada de abuso de poder, em um estado sob Intervenção Federal. Em nota, a Polícia Federal afirma de pronto: “não há registro de comportamento que configure desvio de conduta funcional representando tão somente atitudes e opiniões pessoais do servidor”. Como se abuso de autoridade não configurasse desvio de conduta funcional.
Sim, quando se abre a porteira para o Estado de Exceção, todos os demônios saem das trevas. Mas o problema também é o guarda da esquina.