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Tumulto. Confronto. Confusão. Foi assim que os grandes veículos de comunicação trataram a truculência da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e da Tropa de Choque da PM paulista contra professores que protestavam pacificamente contra projeto de lei proposto pelo governo de João Doria Jr. (PSDB). O projeto prevê aumento da contribuição previdenciária dos servidores, de 11% para 14%, além de uma alíquota adicional sobre os vencimentos. Com isso, o desconto nos salários dos servidores pode chegar a 18%.
O prefeito, recém-anunciado pré-candidato à sucessão de Geraldo Alckmin ao Palácio dos Bandeirantes, é um defensor do ajuste fiscal recessivo implementado por Temer e já mostrou inúmeras vezes seu desprezo pelo funcionalismo público. Agora, busca colocar São Paulo no eixo das reformas implementadas por diversas prefeituras e governos estaduais em crise, retirando direitos dos servidores públicos com a justificativa de equilibrar as contas da Prefeitura.
O protesto desta quarta-feira reuniu mais de 15 mil pessoas, entre professores, estudantes e outros servidores públicos municipais. Ainda assim, a Folha de São Paulo afirmou que o protesto era formado por “professores sindicalistas”. Nem o maior sindicato do planeta teria tantos dirigentes sindicais! Não bastasse, o mesmo jornal diz que um professor, Bruno Magalhães, “afirma ter sido atingido por duas balas de borracha”. A questão é que as imagens mostram Bruno sangrando. Será que ele teria ferido a si próprio com o objetivo de aumentar a comoção e a revolta contra a truculência da GCM? Uma cobertura séria, teria mostrado que Bruno Magalhães estava ferido, resultado da repressão policial.
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Ao que parece, poucas foram as vozes a defender a violência da GCM como resposta à “invasão da Câmara de Vereadores”. Mesmo dentro do governo Doria, houve quem rechaçasse as agressões contra os professores. O Secretário Municipal de Educação, Alexandre Schneider, afirmou numa rede social que era “lamentável” a forma como os professores foram tratados na Câmara de Vereadores. Disse ainda que “é inaceitável que aconteçam excessos dessa natureza” e que, por estarmos numa democracia, o livre direito de manifestação deveria ser respeitado.
As declarações de Schneider apenas demonstram o quão absurdas são as abordagens oferecidas pelos grandes veículos de comunicação, que tratam a truculência da GCM contra manifestantes desarmados como uma luta entre iguais e reproduzem o discurso oficial do governo Doria. Nos últimos anos as polícias militares, bem como as guardas municipais, têm recebido treinamento especial para lidar com violência contra protestos. Esse processo é particularmente escandaloso no caso das guardas municipais, criadas inicialmente como aparato de segurança patrimonial e que, em poucos anos, “evoluíram” para verdadeiras policias municipais, fortemente armadas e com poder repressivo semelhante ao das PMs.
Os acontecimentos desta quarta-feira na Câmara de Vereadores de São Paulo, portanto, não podem ser tratados com termos como “conflito”, “confronto” ou “tumulto”. A forma com que as forças de repressão têm agido diante de manifestações – como ficou evidente desde 2013 – só pode ter um nome: violência. Os grandes veículos de comunicação, ao ignorarem a condição desigual entre os que protestam e aqueles que detém os meios de coerção física, como balas de borracha, cassetetes, spray de pimenta, etc., reproduzem uma versão mentirosa da realidade. A mesma que, não raramente, transforma massacres em “conflitos entre posseiros e sem-terra” ou ocupações de prédios abandonados em “invasões”.
A escalada repressiva – que vai da intervenção militar no Rio de Janeiro à violência desencadeada essa semana contra professores em São Paulo, passando por uma legislação pensada para criminalizar o direito ao protesto – é apenas mais um capítulo do sufocamento democrático que vivemos. Esse sufocamento conta com o apoio da mídia monopolista para reproduzir o discurso oficial dominante. Por isso, propostas como unificar, desmilitarizar e humanizar as forças de repressão nunca foram tão atuais. Mas elas deverão vir acompanhadas da democratização profunda e radical dos meios de comunicação.