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[caption id="attachment_144833" align="alignnone" width="700"] Foto: Reprodução[/caption]
Quando o presidente eleito afirmou que a ideologia é um problema maior que a corrupção, abre-se um leque para se fazer uma reinterpretação da letra da música “Ideologia”, de Cazuza.
O presidente eleito, durante a campanha, curiosamente parece ter adotado a mesma ideia do artista. No primeiro verso da canção, é dito: “Meu partido é um coração partido”. Bolsonaro andava com a camisa “Meu partido é o Brasil” que quer simular a ideia de que não pertence a partido algum, referindo-se, contudo, a uma nação “partida” pelos conflitos estimulados nas últimas eleições, tendo assim a missão de uni-la.
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No segundo verso, Cazuza canta: “E as ilusões foram todas perdidas” e continua “os meus sonhos foram todos vendidos. Tão baratos que eu nem acredito”. Podemos pensar na estratégia que o governo usa em sua retórica que assegura pôr fim ao viés ideológico à medida que propõe a venda de tudo, de todos os recursos econômicos da nação que poderiam levantar os brasileiros, caso os mantivessem sob o domínio de um Estado que extinguiu a corrupção (promessa de campanha).
Em seguida, o artista carioca complementa em uma parte que serve de ponte para o refrão: “Aquele garoto que ia mudar o mundo... frequenta agora as festas do ‘Grand Monde’”. Podemos comparar essa passagem ao fato de o novo presidente estar convocando para compor o seu governo, velhas caras envolvidas na corrupção e que fecham acordos com a nata da elite corrupta, como a ministra que tem relações com a JBS.
Ou seja, os políticos prometem agir de forma técnica para legitimar o que fazem, demonstrando uma certa neutralidade, não sendo influenciados por nenhuma abstração, ideologia, mas é tudo piada. E nós, que somos convencidos pelo discurso do pragmático, do científico, o qual acreditamos ser isento de ideologia, acabamos confiando nessas bobagens.
Cazuza continua: “O meu prazer, agora é risco de vida. Meu ‘Sex and Druggs’ não tem nenhum rock and roll”. O rock seria a arte, um caminho por onde a ideologia pode ser transmitida, levando muitos à conscientização ou à mobilização. Mas, arrancando a ideologia, só ficaram o sexo e as drogas. Será esse o caminho adotado pelo governo atual, que diz que a ideologia de esquerda defende as drogas e desvirtua sexualmente as crianças?
“Eu vou pagar a conta do analista, pra nunca mais ter que saber quem eu sou”. Não há mais necessidade de se saber quem é nesse mundo técnico. Aliás, nessa lógica que menospreza as formas de pensamento, ter é muito mais importante que ser.
É lógico que o sentido de ideologia adotado por Cazuza é o mesmo determinado por Lenin, em que a ideologia é indispensável para as classes sociais. No pensamento leninista, existe a ideologia da classe operária e a ideologia da classe dominante.
Na última ponte para o refrão, diz-se: “Aquele garoto que ia mudar o mundo, agora assiste a tudo de cima do muro”. É evidente (aqui estamos apenas ilustrando) que a letra tem todo um contexto de Guerra Fria, onde a questão ideológica era realmente pertinente. Contudo, cometendo o crime de tirar o texto de seu lugar de produção, poderemos dizer que o presidente eleito, que tanto falou de corrupção, agora parece estar em cima do muro.
No Brasil não há um conflito ideológico, há um conflito de classes. O PT reivindica a representação dos populares e o PSL do empresariado. Mas na verdade ninguém representa o trabalhador. O PT defendia uma ideologia dominante e o presidente eleito defende uma outra ideologia dominante.
Quando a causa LGBTQI..., feminista, racista foi orgânica da classe operária? Não é uma ideologia incorporada e moldada pelas classes médias que, inclusive, vemos com frequência nos filmes de Hollywood e nas novelas? A causa das minorias é muito mais uma reivindicação da classe média que da classe operária.
Essa causa, se algum dia se tornou dominante, isto é, se foi de fato uma ideologia, é porque pertence às classes dominantes. Aqui prefiro concordar com Marx e Engels ao salientarem que as ideias dominantes são sempre as ideias das classes dominantes.
Inclusive, esse tipo de causa contribuiu para a obliteração dos interesses de classe. As classes dominantes se apropriaram dessas causas e ditaram as regras de como e pelo o que se deve lutar. Daí todos batem palmas quando sai um filme da Mulher-Maravilha, visto como feminista, e do Pantera Negra, visto como um filme que representa a luta dos negros. O mesmo irá acontecer quando sair um filme de um herói que representa o seguimento LGBTQI...
Desta forma, tais causas tornaram-se dominantes e circulam de modo dominante nos principais meios de comunicação. As causas operárias já tiveram esta oportunidade? Quando Vargas se apropriou dessas causas teve como objetivo enfraquecer os sindicatos e estabelecer acordos com os patrões. Além disso, era uma estratégia para impedir o avanço do comunismo e do anarquismo e a influência destes movimentos entre os trabalhadores. Para a distração das massas, Vargas investe intensamente em futebol, música, carnaval, cinema etc...
Essa briga ideológica atual não pertence à classe trabalhadora. Aliás, tem no fundo o objetivo de fazer com que essa classe não se reconheça como classe. A esquerda do jeito que se instalou no poder teve essa missão. A direita está fazendo a mesma coisa. É necessário reeducar as esquerdas para que conscientizem as classes trabalhadoras que a luta é econômica, caso contrário veremos aumentar o contingente de ódio.
Precisamos nos libertar desse ranço ideológico tanto o de esquerda (politicamente correto) quanto o de direita (politicamente incorreto) e fazer a história mover. São essas ideologias que estão tirando os direitos conquistados, elas são usadas sempre para esconder algo material, ou algum interesse econômico. O governo atual fala em ideologia para tirar os direitos trabalhistas, mas o anterior usou a ideologia para arrancar das classes trabalhadoras os interesses de classe e chegar ao que chamou de “conciliação”. Parece uma esteira de acontecimentos, uma coisa levou a outra.
Somente a consciência de classe promoverá uma ruptura, a descontinuidade de uma história escrita pelas classes dominantes e determinada por elas.
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