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"Se tivesse se dado ao trabalho de pesquisar, Narloch descobriria que o PSOL está entre os partidos que mais combatem os verdadeiros privilegiados. É da nossa bancada a proposta de imposto sobre as grandes fortunas, bem como a defesa de uma alíquota mais progressiva do imposto de renda e do imposto sobre heranças". Leia o artigo de resposta de Juliano Medeiros ao texto de Leandro Narloch publicado na Folha desta quarta-feira (20)
Por Juliano Medeiros*
Em artigo publicado pela Folha nesta quarta-feira (20), o jornalista Leandro Narloch questiona ação judicial movida pelo PSOL contra a Medida Provisória 805/2017. Segundo ele, ao questionar a MP, o PSOL defenderia “os 10% mais ricos” contra a maioria da população brasileira. Esse argumento, porém, não se sustenta.
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A MP 805, editada por Temer, produzia dois efeitos: a) congelava os salários dos servidores públicos, mesmo depois da aprovação de reajuste concedido pelo próprio governo; b) aumentava a alíquota do desconto para o INSS de 11% para 14% sobre a folha dos trabalhadores do setor público.
Não é preciso ser jurista para saber que a irredutibilidade de vencimentos é uma forma de direito adquirido. Aliás, é isso o que dizem tanto o parecer da Procuradoria-Geral da República quanto o despacho do Ministro Ricardo Lewandowsky acatando o pedido de liminar do PSOL. Uma vez concedido, um reajuste não pode ser suspenso, muito menos através de uma Medida Provisória, cujos efeitos são imediatos.
Além disso, como lembra o próprio ministro do STF, “(...) ao menos numa primeira abordagem, não se mostra razoável suspender um reajuste de vencimentos que, até há cerca de um ano, foi enfaticamente defendido por dois ministros de Estado e pelo próprio Presidente da República como necessário e adequado, sobretudo porque não atentaria contra o equilíbrio fiscal”. Portanto, o argumento do governo Temer – reproduzido por Narloch – de que a medida aumentaria o “rombo” nas contas públicas não encontra amparo sequer na equipe econômica do Palácio do Planalto.
A questão de fundo, no entanto, é outra. Narloch reproduz os argumentos da propagando oficial do Planalto na busca por apoio à reforma da previdência, que afirma que a luta contra as desigualdades deve ter como alvo o combate aos “privilégios”. Mas porque ele não diz que, segundo o IBGE, os “10% mais ricos” são todos aqueles com renda per capita mensal acima de R$ 2,6 mil? Que privilegiados! É claro que há distorções inaceitáveis no serviço público (em particular no Judiciário) e elas precisam ser combatidas e corrigidas. Porém, isso não deve ser feito às custas dos milhares de trabalhadores e trabalhadoras do serviço público que vivem exclusivamente de seu trabalho.
Diferente do que defende Narloch, o problema no Brasil não é o excesso de Estado: é a ausência dele, especialmente na promoção de serviços públicos de qualidade, como saúde e educação. Quem vive nas periferias sabe a falta que o Estado faz. Por isso, congelar salários é uma forma de nivelar por baixo o padrão de vida dos brasileiros. Além de cruel, é uma estupidez do ponto de vista econômico, já que o aumento progressivo da renda é um elemento essencial para o desenvolvimento.
Na indústria, por exemplo, o ramo do setor privado que paga os melhores salários e oferece os postos de trabalho mais estáveis, o custo do trabalho é muito inferior aos de outros países. O valor da hora que a indústria paga por aqui é cerca de um terço do que se vê nos Estados Unidos e em países europeus. Ou seja, o setor público não é formado por uma “casta de privilegiados”. É o setor privado que paga mal e aprofunda as desigualdades, buscando reduzir os custos do trabalho em vez de conviver com margens de lucro mais civilizadas.
Não espero que o conceito de “rico” de Narloch seja o mesmo do PSOL. Mas bastaria verificar os valores dos salários nos concursos anunciados pelo governo Temer para 2018 (entre 2,8 mil para vagas de nível médio e de R$ 5 mil para postos que exigem ensino superior) para atestar que a desigualdade pode ser melhor combatida através da cobrança dos R$ 426 bilhões devidos pelos maiores grupos econômicos ao INSS do que pelo congelamento desses “super salários”.
Aliás, se tivesse se dado ao trabalho de pesquisar, Narloch descobriria que o PSOL está entre os partidos que mais combatem os verdadeiros privilegiados. É da nossa bancada a proposta de imposto sobre as grandes fortunas, bem como a defesa de uma alíquota mais progressiva do imposto de renda e do imposto sobre heranças. Também defendemos uma maior taxação do lucro bancário através do reajuste da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL) e combatemos fortemente a política de juros que beneficia o capital especulativo em detrimento da produção e do consumo. Da mesma forma, descobriria que o PSOL foi o único partido a votar na Câmara dos Deputados contra a farra das desonerações aos maiores grupos econômicos, que se alastrou durante toda a última década.
Mas é sempre mais fácil procurar um bode expiatório do que enfrentar os problemas reais do nosso modelo econômico. Enquanto os herdeiros das 15 famílias mais ricas do Brasil acumulam 5% do PIB brasileiro, algo próximo a U$S 122 bilhões de dólares, para Temer e Narloch o problema são os servidores públicos. Vai entender.
*Juliano Medeiros, 34, é presidente da Fundação Lauro Campos e assume, em 2018, a presidência nacional do PSOL