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Redes sociais viram armadilha: ONU alerta para explosão de recrutamento infantil na Colômbia

Grupos armados usam TikTok e Facebook para cooptar crianças — e Brasil enfrenta desafios parecidos com bullying, tráfico e crimes virtuais

Créditos: Reprodução ONU Direitos Humanos
Escrito en TECNOLOGIA el

Em plena era digital, crianças e adolescentes colombianos estão na mira de uma nova forma de violência: o recrutamento forçado por grupos armados que transformaram as redes sociais em isca. O alerta vem do mais recente relatório da ONU Direitos Humanos (Atrapados en las redes del conflicto), divulgado nesta sexta-feira (27).

Relatório da ONU Direitos Humanos da Colômbia

De acordo com o documento, entre 2022 e 2024 foram verificados 474 casos de recrutamento ou uso de menores de idade — alguns com apenas 9 anos — principalmente em regiões de conflito como Catatumbo, Meta, Guaviare e Cauca. E o cenário só piora: só no primeiro trimestre de 2025, já foram registradas 118 novas denúncias, sendo 51 confirmadas.

Promessas sedutoras, realidade brutal

Para atrair as vítimas, os criminosos publicam vídeos no TikTok e no Facebook mostrando festas, roupas de marca, celulares, motos e até promessas de cirurgias plásticas. Alguns posts acumulam centenas de milhares de visualizações, ajudando a normalizar a violência e a glamourizar o crime organizado.

Por trás dessas promessas, a realidade é outra: crianças e adolescentes são forçados a atuar como soldados, olheiros, transportadores de drogas e armas — e até vítimas de prostituição forçada. A violência sexual é rotina: de 2022 a 2024, a ONU confirmou 89 casos de violência de gênero, quase todos contra meninas.

A maioria das vítimas pertence a comunidades indígenas ou afrodescendentes — só entre 2022 e 2024, quase metade dos casos envolvia crianças indígenas. Crianças migrantes, principalmente venezuelanas não acompanhadas, também aparecem entre os alvos mais vulneráveis.

Escolas se tornam campo de caça

Os grupos armados chegam a recrutar dentro das escolas. Há relatos de professores ameaçados por tentar proteger seus alunos. Em áreas rurais, internatos e transporte escolar se tornaram pontos de interceptação e intimidação. Com medo, muitas famílias deixam de mandar os filhos para a aula, agravando o ciclo de pobreza e exclusão.

A ONU cobra medidas urgentes do governo colombiano — mas também das gigantes da tecnologia, como Meta (Facebook) e TikTok, que reconhecem o problema, mas ainda não conseguem impedir totalmente o uso das plataformas para aliciar menores.

“Se fosse em Londres ou no Vale do Silício, haveria milhões de dólares investidos para resolver isso. Mas aqui as crianças continuam sendo recrutadas”, criticou Scott Campbell, representante da ONU na Colômbia.

O relatório pede que as plataformas identifiquem e removam conteúdos rapidamente, melhorem ferramentas de denúncia e cooperem mais com autoridades.

Fuga difícil, ameaça constante

Apesar de haver uma política de prevenção na Colômbia, faltam recursos, articulação entre governo central e territórios, além de proteção real para famílias que ousam denunciar. Muitas crianças resgatadas acabam sendo ameaçadas novamente ou até mortas por tentar fugir desse ciclo.

Para a ONU, só a combinação de educação de qualidade, proteção social, combate à pobreza e responsabilização de criminosos e das plataformas pode conter esse crime, que é classificado como uma das piores formas de trabalho infantil e crime de guerra.

E no Brasil?

No Brasil, o cenário também preocupa. Casos de aliciamento sexual, tráfico de menores e violência digital em redes como TikTok, Facebook, Instagram e WhatsApp são frequentes:

  • Caso “Lobos da Fronteira” (2023): uma quadrilha aliciava adolescentes pelo WhatsApp e Instagram para transportar drogas na fronteira com o Paraguai. Os jovens eram recrutados como “mulas” em troca de dinheiro e presentes.
     
  • Tráfico sexual online: operações da Polícia Federal, como a Operação Lobos, identificaram centenas de perfis em fóruns e redes sociais que prometiam “trabalho de modelo” ou relacionamentos para cooptar menores.
     
  • Ameaças escolares: em 2023, uma onda de ameaças de ataques em escolas se espalhou por grupos no Telegram e perfis falsos no Instagram. O STF e o Ministério da Justiça exigiram que Meta e Google fornecessem dados de usuários.
     
  • Ciberbullying extremo: já há decisões que obrigam plataformas a pagar indenizações por não removerem perfis falsos criados para espalhar imagens íntimas de adolescentes ou fazer ameaças.

Assim como na Colômbia, especialistas defendem mais fiscalização, responsabilização das plataformas e leis específicas para combater o aliciamento de crianças no ambiente virtual.

E a lei, o que faz?

Na Colômbia, não há uma lei específica para redes sociais. O país aplica normas fragmentadas:

  • Lei 1581/2012 de Proteção de Dados (semelhante à GDPR europeia), que garante consentimento para coleta e uso de informações.
     
  • Código de Infância e Adolescência (Lei 1098/2006), que protege crianças em geral, mas não impõe deveres claros às big techs.
     
  • Não existe obrigação de moderação prévia de conteúdo ilegal, mas as plataformas podem ser responsabilizadas se, após notificação, não retirarem material que viole direitos (pornografia infantil, apologia ao crime, recrutamento de menores).
     
  • Casos são julgados individualmente pela Corte Constitucional, que costuma equilibrar liberdade de expressão com proteção de menores.

A Colômbia depende fortemente de cooperação internacional para investigar crimes virtuais, já que as sedes das plataformas estão nos EUA.

No Brasil, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) é referência mundial:

  • Garante neutralidade de rede e liberdade de expressão.
     
  • Não obriga monitoramento ativo de conteúdo, mas responsabiliza provedores se não removerem material ilegal após ordem judicial.
     
  • O STF confirma que plataformas devem indenizar vítimas se descumprirem decisões de retirada de conteúdo.
     
  • Tribunais em SP, RJ e outros já condenaram empresas por não agirem contra bullying, aliciamento ou vazamento de dados de menores.
     
  • Em 2023, o STJ reafirmou: não há “responsabilidade objetiva” por posts de terceiros, mas há se ignorarem ordens judiciais.

Tanto na Colômbia quanto no Brasil, redes sociais se tornaram um campo de recrutamento virtual para criminosos — mas a resposta legal ainda engatinha.

No Brasil, o Marco Civil é um dos marcos mais modernos do mundo, mas foi criado antes do TikTok ganhar força e não prevê medidas proativas de monitoramento. Já na Colômbia, o tema é ainda mais frágil: faltam leis claras, fiscalização e recursos para proteger famílias ameaçadas.

A ONU alerta: sem educação, proteção social, leis atualizadas e responsabilização de plataformas, o crime digital seguirá crescendo — e milhões de crianças continuarão presas na rede do crime.

Leia aqui o relatório completo

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