Anunciado com pompas para conectar escolas em áreas rurais e monitorar a Amazônia, o projeto Starlink, de Elon Musk, teve a licença aprovada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) por interferência do Ministério das Comunicações, de Fabio Faria (PSD-RN), que cortejou o bilionário para atuação no Brasil.
Troca de correspondências obtidas pelo site Brasil de Fato via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostra que em 21 de outubro de 2021 o CEO da Starlink, Gwynne Shotwell, pediu ajuda do governo Jair Bolsonaro para viabilizar uma "votação circular" no Conselho Diretor da Anatel.
Te podría interesar
Em inglês, no jargão do mundo dos negócios, o termo se refere a decisões que não podem esperar até a próxima reunião de órgãos colegiados, sendo tomadas de forma remota, sem o debate previsto no regulamento.
Sem resposta sobre a mensagem, três dias depois a Starlink copia a Embaixada dos EUA cobrando agendamento de reunião com representantes do governo brasileiro. No dia posterior, Faria iniciou uma série de conversas com Musk.
Te podría interesar
No dia 29 de outubro, o secretário de Telecomunicações do Ministério, Artur Coimbra de Oliveira, envia mensagem ao CEO da Starlink: "Informo também que já estamos conversando com a Anatel sobre a outorga da Starlink e entraremos em contato sobre o assunto assim que tivermos uma perspectiva sólida da agência".
Pouco mais de um mês depois, em 3 de dezembro, a área técnica da Anatel concede autorização temporária para testes da Starlink. A rapidez na autorização causou constrangimento aos diretores da Anatel, que chegaram a revogar a permissão temporária em janeiro deste ano. No dia 28 do mesmo mês, no entanto, a Anatel concede autorização definitiva à Starlink.
Ouvida pelo Brasil de Fato, Renata Mielli, integrante da Coalizão Direitos na Rede e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, disse que a pressão do governo sobre a agência fere a autonomia decisória do órgão.
"Se o governo, através do Ministério das Comunicações, usou seu poder político para influenciar uma decisão da Agência Nacional de Telecomunicações e, por sua vez, se diretores dessa agência se curvaram aos interesses que motivaram as negociações de forma a ferir a impessoalidade e a autonomia decisória e técnica da Anatel, todo o processo de autorização e licenciamento para a operação da Starlink no Brasil deve ser revisto", defendeu.
Um outro especialista consultado pela reportagem, que preferiu não se identificar, utilizou a seguinte analogia para o caso: o contato entre Starlink e Ministério das Comunicações sobre um processo que corre na Anatel é o mesmo que uma fabricante de vacinas contra a covid-19 buscar o Ministério da Saúde para obter favorecimento em um processo que corre na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).