MISOGINIA IN BRAZIL

Coaches americanos enganam brasileiras para promover curso milionário sobre “como pegar mulher”

Questionados, os “professores” gabaritaram o “teste de misoginia” na hora de negar que promovam turismo sexual: “São críticas de feministas estúpidas, feias e gordas”

David Bond e Mike Pickupalpha.Coaches americanos enganam brasileiras para promover curso milionário sobre “como pegar mulher”Créditos: Reprodução/Youtube
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Dois coaches dos EUA são acusados de enganar mulheres brasileiras para promover turismo sexual através de um curso sobre “como pegar mulher”, realizado em São Paulo e vendido a “alunos” americanos por valores que vão de R$ 20 mil a R$ 60 mil. David Bond e Mike Pickupalpha são os nomes utilizados pelos coaches, que não correspondem aos seus nomes reais.

Seu curso, o Millionaires Social Circle (MSC), promove "aulas" sobre o tema e oferece viagens para que os alunos possam colocar os “ensinamentos” em prática. Nessas viagens, além dos passeios turísticos que são comuns a quaisquer turistas (como idas a praias e restaurantes), também há a organização de festas com a presença de meninas naturais do país visitado, que é sempre uma nação considerada “subdesenvolvida” para os padrões dos EUA. Homens ligados ao MSC já visitaram a Colômbia, a Costa Rica e as Filipinas antes de virem a São Paulo entre 14 e 28 de fevereiro.

No cartaz que promoveu a viagem ao Brasil, fotos da praia de Copacabana, do Cristo Redentor e dos corpos de três mulheres em biquínis. “Mulheres exóticas, praias exóticas, festivais exóticos, música e dança exóticas, cultura exótica e uma exótica justaposição entre ricos e pobres”, diz o anúncio. Apesar da propaganda, os gringos vieram para São Paulo, onde não há praia, Cristo Redentor e as mulheres raramente andam de biquíni pelas ruas.

Antes de viajar, o grupo explicou a escolha pela capital paulista. Para além de tudo o que definiram com "exótico", também pesou a apresentação feita pela dupla de coaches em seu canal no Youtube de que as mulheres paulistanas teriam “as melhores curvas”, além de supostamente gostarem de “homens dominantes” e “contato físico”. A dupla também repete clichês de que no Brasil a “cultura sexual seria mais aberta”.

Ainda nos preparativos para a viagem, o MSC distribuiu aos clientes kits que continham camisinhas, colônia, chicletes e um tripé para produzir fotos para as redes sociais. Também foi distribuída uma apostila chamada The Bond Lexicon, onde os coaches explicam seus métodos. O tópico dedicado às experiências práticas faz uma referência a Jeffrey Epstein, um especulador financeiro dos EUA condenado por tráfico e abuso sexual de crianças e adolescentes. “As duas regras do Método Epstein são as seguintes: nada de prostitutas, e a garota que está sendo encaminhada não pode saber que uma recompensa foi dada a um terceiro”, diz o trecho.

A segunda regra faz referência às festas promovidas pelo curso durante as viagens. Nela, homens locais são aliciados para convidar mulheres ao evento e recebem dinheiro para cada uma que comparecer. Mas isso, é claro, tem de ficar em segredo.

Na vinda ao Brasil, a “grande festa” dos ricos do MSC ocorreu em 26 de fevereiro em uma mansão no Morumbi, bairro nobre de São Paulo. E éclaro que muitos machões brasileiros ganharam um trocado para levarem mulheres ao evento. Além disso, a organização declarou que gastou cerca de R$ 6 mil em pílulas do dia seguinte. Após o fim da viagem, imagens da festa viralizaram nas redes sociais após algumas das mulheres presentes descobrirem do que realmente se tratava o encontro.

Duas delas confirmaram à Folha, sob a exigência de terem suas identidades preservadas, que não sabiam do esquema que envolvia a festa. Uma delas, influenciadora digital, relatou que o evento parecia uma “festa normal”, até que uma outra mulher lhe contou sobre o curso. Assustada com a revelação, foi embora. Após publicar informações sobre o evento no Tik Tok ela passou a ser ameaçadas e recebeu dezenas de denúncias que derrubaram sua conta.

A outra jovem relatou que se envolveu com um dos “alunos” do MSC e que o confrontou após as revelações sobre o esquema. Ela diz que o homem confirmou as informações e então resolveu registrar uma denúncia anônima contra o grupo, alegando que promovem turismo sexual.

O que dizem os “coaches de namoro”

Em vídeo publicado nas suas redes sociais após a repercussão do caso, integrantes do MSC afirmam terem sido vítimas da “cultura do cancelamento” no Brasil e que as acusações de turismo sexual e tráfico humano são falsas. “Essas feministas são estúpidas”, diz o autointitulado Mike Pickupalpha, que está no ramo desde 2013 e já teve uma porção de contas nas redes sociais suspensas por promover pornografia. Em um dos casos, foi acusado de ganhar dinheiro postando vídeos de sexo sem o consentimento das mulheres envolvidas. “Essas mulheres [que denunciaram a festa] não fazem nada da vida, não estão na faculdade de medicina; A garota que gravou o vídeo da festa é feia e gorda”, concluiu.

Questionados pela reportagem da Folha, integrantes do MSC alegam que a festa foi consensual e que as garotas foram encontradas no Tinder, Instagram e em baladas prévias. “Todas foram alimentadas e pagamos Uber para ir e voltar da festa”, disseram.

O MSC tem um grupo no Telegram com mais de mil integrantes chamado David Bond Underground 2.0. Nele, é comum ver publicações onde a classe social das mulheres encontradas em outros países é ridicularizada. “Vamos para a Venezuela, pegar mulher lá é fácil, a moeda está desvalorizada”, escreveu um membro.