FÉ E MERCADO

Padres-celebridades no São João: religião, música e cachês milionários

Festejos juninos de 2025 contam com apresentações de quatro padres cantores; juntos, vão receber mais de R$ 1,6 milhão com verbas públicas. Padre Alessandro Campos, o “sertanejo de Deus”, lidera a lista com quase R$ 1 milhão

Padre Alessandro Campos, o 'padre sertanejo do Brasil'
Padres-celebridades no São João: religião, música e cachês milionários.Padre Alessandro Campos, o "padre sertanejo do Brasil"Créditos: Reprodução / Redes sociais
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A mistura de fé, música e dinheiro público é um dos ingredientes que chamam atenção nos festejos juninos de 2025 na Bahia. Este ano, quatro padres cantores foram contratados por prefeituras baianas para se apresentar nas celebrações de São João. Juntos, os religiosos vão embolsar mais de R$ 1,6 milhão, segundo levantamento do Ministério Público da Bahia (MP-BA).

O destaque absoluto da temporada é o padre Alessandro Campos, conhecido nas redes sociais como o “padre sertanejo”. Ele sozinho vai receber R$ 975 mil por três apresentações em cidades do interior baiano. Com chapéu, batina estilizada e discurso religioso em ritmo de viola, Alessandro se transformou em uma celebridade religiosa com mais de dois milhões de seguidores no Instagram — e agora também em um dos artistas mais bem pagos do São João.

As apresentações do padre estão marcadas para os dias 10 de junho em Campo Formoso (R$ 345 mil), 14 de junho em Itatim (R$ 300 mil) e 21 de junho em Barreiras (R$ 330 mil). A média de cachê por show ultrapassa os R$ 325 mil — valor que o colocaria entre os nomes mais caros da música popular brasileira em palcos juninos.

Fé e fama nas redes

Natural de Guaratinguetá, interior de São Paulo, padre Alessandro Campos tem se apresentado em todo o país com um estilo que une música sertaneja, liturgia e entretenimento. Em seus perfis digitais, ele se autointitula como “O Padre Sertanejo do Brasil” e compartilha vídeos de shows lotados, mensagens religiosas e momentos de bastidores que se assemelham mais a um artista do mercado musical do que a um líder espiritual tradicional.

Além de Alessandro Campos, outros três padres constam na lista de contratações públicas para o São João baiano: Fábio de Melo, João Carlos e Antônio Maria.

Figura já conhecida da televisão brasileira, padre Fábio de Melo se apresentará em Quijingue, no dia 24 de junho, e em Nordestina, no dia 26. O cachê? R$ 300 mil por cada show, totalizando R$ 600 mil. Carismático, presente em programas de TV e ativo nas redes sociais, ele é um dos nomes mais populares entre os religiosos brasileiros e segue disputando palcos com artistas consagrados da música secular.

O padre João Carlos, com 137 mil seguidores no Instagram, terá uma única apresentação — em Jeremoabo, no dia 24 de junho — pelo valor de R$ 80 mil. Já o veterano padre Antônio Maria fez sua participação no dia 25 de maio, na cidade de Castro Alves, e recebeu R$ 130 mil.

2025 registra alta de gastos com atrações religiosas

Os gastos com atrações religiosas em 2025 representam uma alta significativa em comparação com o ano anterior. Segundo o mesmo painel de transparência do MP-BA, em 2024 foram investidos R$ 501 mil em shows de padres — menos de um terço do valor previsto para este ano.

Naquele ano, o padre Alessandro Campos também participou dos festejos, mas em apenas uma apresentação, na cidade de Jacobina, por R$ 310 mil. Já o padre Antônio Maria teve um cachê ainda maior que em 2025: R$ 163 mil por um show em Teofilândia.

A escalada dos valores reacende o debate sobre o uso de recursos públicos para contratações artísticas ligadas à religião — especialmente quando o custo dos eventos ultrapassa centenas de milhares de reais em cidades com orçamentos restritos e demandas sociais urgentes.

Cultura ou espetáculo religioso?

O São João é uma das celebrações mais importantes da cultura nordestina, marcado por tradições populares como quadrilhas, forró, comidas típicas e homenagens a santos católicos. A presença de padres como atrações musicais não é exatamente nova, mas o tamanho dos cachês e a estrutura de shows semelhantes aos de artistas do show business têm despertado questionamentos sobre o real objetivo dessas apresentações.

Críticos apontam que, apesar de serem sacerdotes, os padres cantores atuam comercialmente como qualquer outro artista e, portanto, deveriam seguir critérios mais rígidos de contratação com dinheiro público. Já defensores afirmam que a presença de líderes religiosos nos arraiás reforça o vínculo com as raízes católicas da festa e atrai públicos que buscam uma experiência mais espiritualizada.

MP-BA mantém fiscalização e transparência

A divulgação dos dados pelo Ministério Público da Bahia faz parte de uma estratégia de controle social e transparência. O Painel dos Festejos Juninos foi criado em 2023 e tem se tornado uma ferramenta essencial para o acompanhamento dos gastos das prefeituras durante o período de festas, muitas vezes marcadas por denúncias de superfaturamento ou contratações questionáveis.

Com base nos dados disponíveis, qualquer cidadão pode conferir os valores pagos a artistas, as datas das apresentações e os contratos firmados. A atuação do MP também inclui a possibilidade de investigar possíveis irregularidades e promover ações judiciais quando necessário.

Entre a fé e o mercado

O fenômeno dos padres cantores no São João da Bahia é, ao mesmo tempo, reflexo de uma cultura religiosa enraizada e do avanço de um novo tipo de celebridade: o religioso influenciador, que transita entre o altar e os palcos, com naturalidade.

Em um país de maioria cristã, onde a religião tem forte presença na vida pública e privada, não surpreende que líderes religiosos conquistem públicos massivos e disputem espaço em eventos populares. O que segue em debate é a fronteira entre a fé e o show — e o preço que a sociedade está disposta a pagar por essa mistura.

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