ENTREVISTA

O modal ferroviário é parte da solução climática: entrevista com Davi Barreto, da ANTF

Entenda o papel estratégico do transporte ferroviário para reduzir desigualdades, enfrentar a crise climática e recuperar a capacidade do Estado de planejar o Brasil

O diretor-presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Davi Barreto
O diretor-presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Davi Barreto.O diretor-presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Davi BarretoCréditos: Divulgação/ANTF
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Diante da urgência climática e da necessidade de um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável, as ferrovias brasileiras voltam ao centro do debate. A Fórum conversou com o diretor presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Davi Barreto, acerca do assunto, na manhã desta quarta-feira (4).

Ele defende o papel estratégico do Estado na indução de investimentos, a revalorização do planejamento público de longo prazo e a expansão da malha ferroviária como vetor de soberania, eficiência logística e justiça ambiental.

Barreto fala sobre a importância de uma matriz de transporte menos dependente do modal rodoviário, a contribuição das ferrovias para a redução de emissões de carbono e os caminhos para fortalecer o setor com participação pública e cooperação internacional — sem abrir mão da regulação e do interesse nacional.

Confira a íntegra da entrevista com o Diretor Presidente da ANTF, Davi Barreto:

Letícia: Bom dia, Davi. Tudo bem? Prazer falar com você!

Davi Barreto: Bom dia, Letícia! Tudo ótimo, graças a Deus. O prazer é todo meu.

Letícia: Davi, já publiquei alguns dados recentemente sobre o modal ferroviário e gostaria de entender melhor o cenário atual, especialmente suas projeções e como os investimentos estão sendo organizados. A sustentabilidade também está muito em pauta, com menções à participação da China em projetos ferroviários no Brasil. Como você vê esse processo?

Davi Barreto: Ótimo, vamos por partes. Investimento em ferrovia é um projeto de longo prazo. São obras lineares, geralmente em greenfield, ou seja, em áreas sem infraestrutura existente. Elas demandam planejamento de anos. No Brasil, diferente da China — que é uma exceção pela sua agilidade — tudo leva mais tempo.

O aumento dos investimentos atuais começou a ser preparado ainda em 2013 e 2014, com a repactuação dos contratos durante o governo Dilma. Esses contratos começaram a gerar frutos por volta de 2020. Estamos falando de mais de R$ 50 bilhões previstos entre 2025 e 2027 — o maior volume já registrado.

Letícia: E como garantir que esse ritmo se mantenha?

Davi Barreto: Alguns instrumentos legais e normativos foram fundamentais. Em 2021, foi aprovado o novo marco legal das ferrovias, permitindo projetos por autorização — isso abriu caminho para novas linhas, inclusive as chamadas short lines. A Rumo, por exemplo, está construindo uma ferrovia no Mato Grosso com mais de 700 km, via autorização.

Além disso, o governo federal retomou a estruturação de uma carteira nacional de projetos ferroviários. Temos dois em audiência pública: o FC18 (Espírito Santo–Rio de Janeiro) e o corredor Fico-Fiol, que liga Água Boa a Ilhéus.

Letícia: E quanto à participação do setor público?

Davi Barreto: É essencial. Grandes ferrovias não se viabilizam apenas com recursos privados. Por isso, o governo quer aportar recursos — seja via orçamento, seja com outorgas de outras concessões. Os projetos privados podem seguir por autorização, mas aqueles que demandam aporte público terão estrutura mais robusta, com planejamento de longo prazo.

Letícia: Isso atrai o investidor internacional?

Davi Barreto: Com certeza. Investidores, inclusive os chineses, querem previsibilidade. Eles precisam ver uma carteira organizada, com continuidade, para se comprometerem. Ter uma visão de Estado — e não apenas de governo — é o que atrai grandes aportes.

Letícia: E sobre a diversificação de cargas?

Davi Barreto: A carga geral — containers, fertilizantes, produtos manufaturados — é o principal desafio. O dono da carga precisa perceber que a ferrovia é mais competitiva: tem que ter preço, agilidade, segurança e sustentabilidade. Os corredores de exportação criam espaço para carga geral com ociosidade operacional. Mas o grande passo é tornar a ferrovia mais atraente que o modal rodoviário, que hoje recebe a maioria dos investimentos.

Letícia: O Brasil pode aprender com a China nesse sentido?

Davi Barreto: Sem dúvida. A China é o maior operador ferroviário do mundo. Sua engenharia, capacidade construtiva e planejamento podem contribuir imensamente aqui. Já há parcerias com empresas chinesas, como no caso da Rumo e da Cofco, para compra de material rodante e construção de terminais.

Letícia: Não há um receio de que esses investidores “dominem” o setor?

Davi Barreto: Não vejo esse risco. Muito pelo contrário. Do ponto de vista das operadoras ferroviárias, o investimento chinês é bem-vindo. O setor precisa de capital novo. Existem parcerias positivas com empresas chinesas e não há nenhum sinal de preocupação ou rejeição entre nossos associados da ANTF.

Letícia: Vamos falar de sustentabilidade. Como a ferrovia se encaixa nessa pauta?

Davi Barreto: O setor de transporte é responsável por cerca de 11% das emissões brasileiras, e a matriz é extremamente rodoviária. As ferrovias transportam apenas 20% das cargas, mas poderiam, no mínimo, dobrar essa participação. Uma composição ferroviária pode tirar 300 caminhões das estradas e reduzir em até 90% as emissões de CO2.

Um estudo recente da CNT mostra que, se chegarmos a 33% de participação ferroviária até 2050, podemos reduzir 65 milhões de toneladas de CO2 por ano. Isso equivale a reflorestar uma área do tamanho da Grande São Paulo.

Letícia: E como financiar isso?

Davi Barreto: Há oportunidades com créditos de carbono e acesso a fundos verdes, como o Fundo Clima. Em 2024, ele passou a incluir tecnologias ferroviárias como locomotivas híbridas e elétricas. Nossa luta é para que projetos de expansão e construção de ferrovias também sejam elegíveis. O setor quer mostrar que é possível alinhar logística, desenvolvimento econômico e preservação ambiental.

Letícia: Vocês estarão na COP30?

Davi Barreto: Estamos nos organizando. A CNT terá presença, e o setor está articulando a participação. Mesmo que a ANTF não esteja diretamente lá, haverá eventos paralelos. O importante é que a agenda ferroviária esteja presente.

Letícia: E qual a principal mensagem do setor?

Davi Barreto: Queremos que a ferrovia seja o modal mais competitivo — não apenas o mais barato, mas o mais eficiente, confiável e sustentável. Nosso objetivo não é defender ferrovia por ferrovia, mas porque ela pode ajudar o Brasil a ser mais moderno, mais justo e mais preparado para o futuro.

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