Mais de 500 famílias voltaram à ameaça de despejo no interior do Maranhão após a retomada de uma ordem de reintegração de posse solicitada pela empresa Suzano Papel e Celulose. A operação está marcada para o dia 30 de junho e será conduzida pela Polícia Militar do Estado, atingindo as comunidades de Sapucaia, no município de Vila Nova dos Martírios, e Riacho das Traíras, em São Pedro da Água Branca. Na região, a medida foi denunciada como um potencial "cenário de tragédia" pelo deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA), que exige o recuo da empresa e uma solução que preserve os direitos das famílias.
“É uma operação que tem tudo para se transformar em tragédia, em face da justa decisão dos moradores de resistirem à expulsão, já que não têm para onde ir”, alertou Jerry. O deputado criticou a intransigência da Suzano, que, segundo ele, recusou propostas de acordo que asseguravam à empresa a maior parte da área, preservando o direito das famílias à terra. “A Suzano, até aqui, se recusa a reconhecer a humanidade dessas pessoas e o histórico de ocupação e trabalho sobre essa terra”, afirma.
Como mostrou a Fórum, a desocupação chegou a ser suspensa em maio por decisão liminar do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), no contexto da Reclamação 79.28. Mas o entendimento do ministro foi rejeitado pela 2ª Turma da corte que, por maioria, reconheceu que a ordem de reintegração não se alinha ao regime de transição estabelecido na ADPF nº 828.
Na quinta-feira (5), o juiz Delvan Tavares Oliveira, da Vara Agrária de Imperatriz, proferiu nova decisão permitindo a retomada da operação e rejeitando os pedidos da Defensoria Pública do Estado que buscavam barrar a reintegração.
Segundo a Justiça estadual, foram cumpridas todas as exigências previstas na Resolução 510 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orienta ações de despejo em ocupações coletivas. A decisão determinou que a operação prossiga “até seu efetivo cumprimento”.
Segundo a decisão do STF, “para a elaboração do plano e sua colocação em prática, a SUZANO sequer realizou um levantamento de todas as famílias que serão impactadas pela medida, conforme admitido pela empresa na reunião preparatória ocorrida em 17/03/2025 (…) necessária para identificar e quantificar a presença de crianças, idosos, gestantes e pessoas com deficiência, de modo a planejar, com dados reais, a efetivação do plano de desocupação com mensurando concretamente a necessidade de alternativas habitacionais para realocação dos ocupantes”, escreveu Fachin em menção à reclamação apresentada pela defensoria.
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Em abril, o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), César Aldrighi, recebeu em Brasília (DF), representantes de comunidades rurais do Maranhão que vivem em áreas em disputa com a empresa Suzano.
A reunião contou com a participação do deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA), além do vice-governador do estado, Felipe Camarão (PT), do deputado federal Cleber Verde (MDB-MA), do deputado estadual Júlio Mendonça (PCdoB-MA), e da ex-prefeita de Vila Nova dos Martírios, Karla Batista.
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As comunidades relatam que a ocupação das terras é histórica, iniciada por seus avós, e que até hoje a terra é a base do sustento familiar. Elas enfrentam a possibilidade de remoção em razão de uma ação judicial movida pela Suzano, que reivindica a posse das áreas.
A multinacional brasileira de celulose que vende a imagem de sustentabilidade e "produtos sustentáveis", tem a posse de 1,17 milhão de hectares de terra, e reivindica extensas áreas, ao todo 40 mil hectares ocupados.
Segundo lideranças locais, os moradores não foram notificados formalmente sobre os processos judiciais e afirmam não reconhecer legitimidade na ação. As famílias argumentam que a permanência nas áreas deve ser garantida por meio da regularização fundiária, em função do longo histórico de uso e da função social exercida pela terra.
A Fórum entrou em contato com a Suzano e obteve retorno. Segue a nota de posicionamento:
"A companhia reafirma ser a legítima proprietária da Fazenda Jurema e destaca que a reintegração de posse é resultado de uma sentença transitada em julgado há mais de dez anos.
Em reunião preparatória, realizada em março de 2025, presidida pelo juiz da Vara Agrária de Imperatriz e com a participação de todos os órgãos públicos, partes envolvidas e instituições pertinentes foi apresentado aos participantes o plano de reintegração humanizada da empresa, já validado pela Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Maranhão, elaborado para mitigar os impactos e assegurar que a ação seja realizada de forma a garantir a dignidade humana e a segurança de todos os envolvidos. Importante ressaltar que a empresa permanece com seu canal aberto para as famílias que optem na saída voluntária e antecipada, com o mesmo pacote de serviços e benefícios descritos no plano de reintegração humanizada.
Recentemente, o STF confirmou a decisão de primeiro grau que reconhece o legítimo direito possessório da Suzano e a aderência do plano social da empresa para realização de uma reintegração de posse humanizada referente à Fazenda Jurema, o que permitiu a determinação pela Vara Agrária da realização da reintegração para o próximo dia 30 de junho/25.
É importante mencionar ainda que essa área, assim que reintegrada, não será utilizada para plantio de eucalipto, pois trata-se de uma reserva legal com aspectos de Alto Valor de Conservação (AAVC), havendo no processo evidências de desmatamento, queimadas e furto de madeira nativa praticados pelos ocupantes, o que causou danos significativos ao meio ambiente e às comunidades do entorno. Inclusive, esses crimes ambientais já foram constatados pelo Ministério Público Estadual.
A empresa reforça que cumpre rigorosamente a legislação brasileira e continuará conduzindo suas atividades econômicas de forma a contribuir com o desenvolvimento sustentável do país e do Estado do Maranhão. Após a retomada da posse de sua propriedade, a Suzano realizará ações de recuperação dos danos ambientais causados pela invasão, assegurando a preservação da área de reserva."