A presença de contaminantes são comuns em alimentos industrializados e é tolerada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — desde que não ultrapasse os limites considerados "seguros". São insetos, pelos de roedores, fragmentos de plástico, areia, partículas de moscas, parasitas microscópicos e até mesmo pelos humanos. É chocante, mas uma série de matérias estranhas — nome técnico dado a contaminantes físicos e biológicos — têm sua presença permitida em alimentos comercializados no Brasil.
Os limites e regras para essa tolerância estão detalhados na Resolução RDC nº 623, publicada pela Anvisa em 9 de março de 2022 e está em vigência desde o dia 1º de abril daquele ano. A nova regra revogou a anterior, divulgada em 2014 Acesse aqui.
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A Anvisa justifica que esses resíduos são tecnicamente inevitáveis "mesmo com a aplicação das melhores práticas disponíveis” — uma realidade da produção em larga escala. Essa não é uma exclusividade brasileira.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o Food and Drug Administration (FDA) também permite a presença de fragmentos de animais em alimentos industrializados, com limites semelhantes aos praticados pela Anvisa.
A fiscalização dos alimentos não segue uma periodicidade fixa. Em geral, as vigilâncias sanitárias estaduais e municipais coletam amostras e as enviam para laboratórios especializados. Se alguma irregularidade for identificada, o produto pode ser retirado do mercado, e a empresa responsável pode ser multada — com valores que variam de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão — ou até ter suas atividades suspensas.
Esses fragmentos podem ser visíveis ou não. Em alguns casos, o corpo estranho é grande o suficiente para ser visto, como um pelo inteiro. Em outros, pode estar em partículas tão pequenas que só são detectadas com análise laboratorial.
O molho de tomate pode conter até 10 pedaços de insetos, como moscas e formigas, em 100 gramas do produto — além de permitir um fragmento de pelo de roedor nessa mesma porção.
Outros alimentos também admitem contaminações. Em frutas secas, como uva passa, a Agência tolera um pelo de rato a cada 225 gramas; chás, até dois em 25 gramas; pimenta-do-reino moída, um pelo a cada 50 gramas; e achocolatados, um em cada 100 gramas.
A resolução afirma que alimentos infestados por artrópodes — como formigas, baratas e moscas —, pelos ou partes de ratos, excrementos de animais, fragmentos de vidro, metal ou plástico rígido, além de parasitas são todos elementos considerados matérias estranhas indicativas de risco à saúde humana. Além disso, estão fora do tolerável objetos pontiagudos ou rígidos com potencial de causar lesões, como pedaços de osso, pedras, lascas de madeira ou dentes.
O que pode estar no seu prato?
A resolução divide os contaminantes em três categorias:
- Matérias estranhas inevitáveis, como pequenos fragmentos de insetos em farinhas e frutas secas.
- Indicativos de risco à saúde, como excrementos de animais, fragmentos de vidro ou parasitas.
- Indicativos de falhas das boas práticas, como cabelos, areia ou pedaços de insetos próprios da cultura agrícola.
De acordo com a tabela atualizada pela Anvisa, é permitido encontrar até:
- 10 fragmentos de insetos em 100g de molho de tomate;
- 25 fragmentos em 225g de uva passa;
- 75 fragmentos em 50g de farinha de trigo;
- 1 pelo de roedor em 100g de produtos com tomate enlatado;
- E até 40% de campos microscópicos com filamentos de fungos em extrato de tomate.
Essas margens são baseadas em padrões internacionais e visam separar contaminações aceitáveis (inevitáveis) das que indicam falha nas "Boas Práticas" ou representam risco direto à saúde.
Veja um resumo na tabela:
Ao final dessa matéria é possível acessar a lista completa com os níveis de contaminantes permitidos.
O que o consumidor pode fazer?
Embora o controle da presença desses contaminantes seja responsabilidade dos fabricantes e da fiscalização sanitária, o consumidor pode, se encontrar algo:
- Observar a integridade das embalagens;
- Ler os rótulos com atenção, especialmente a validade e os ingredientes;
- Notificar à Vigilância Sanitária caso encontre corpos estranhos em produtos industrializados;
- Preferir marcas que investem em transparência e boas práticas de produção.
E se for reprovado pela Anvisa?
Quando um lote de alimento não atende aos padrões da Vigilância Sanitária, a empresa é notificada e precisa recolher os produtos imediatamente. Se não cumprir essa exigência, a companhia poderá sofrer penalidades graves, como multas que vão de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão, além do risco de ter suas atividades interditadas ou sua autorização de funcionamento cancelada.
O consumidor que comprou um produto contaminado ou impróprio tem o direito de pedir a substituição ou o reembolso. Para isso, deve entrar em contato com o atendimento ao cliente da marca ou, se necessário, procurar orientação jurídica.
As fiscalizações não seguem uma rotina definida: geralmente, as vigilâncias sanitárias locais realizam testes e, se identificam problemas, comunicam à Anvisa, que pode determinar a retirada do produto do mercado.
Opte por uma alimentação saudável, se puder
Em outras matérias publicadas aqui na Fórum, falamos sobre a importância dos alimentos orgânicos em detrimento dos ultraprocessados e industrializados, vendidos até mesmo como saudáveis pelo agro. Para se ter ideia, os agrotóxicos se tornaram substâncias mais comuns na alimentação da população brasileira nas últimas décadas. O país lidera o ranking de países que mais consomem o veneno desde 2021, quando bateu o recorde de 720.870 toneladas de agrotóxicos consumidos. É a naturalização de uma alimentação venenosa.
As substâncias estão presentes, principalmente, em frutas, legumes e verduras, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No entanto, os produtos ultraprocessados como biscoitos, salgadinhos, carnes, sucos e outros também apresentam a substância em sua composição.
Cercados pelos agrotóxicos, pesticidas, herbicidas e contaminantes toleráveis, como a população brasileira pode fazer para minimizar o contato com esses produtos e seus impactos na saúde? Veja algumas dicas abaixo.
Priorize alimentos orgânicos
A primeira atitude é priorizar os alimentos orgânicos, principalmente aqueles oriundos da agricultura familiar. No cultivo desses alimentos, os agrotóxicos não são utilizados e os aliemntos não são processados em larga escala.
Compre alimentos da época
Outra dica é comprar os alimentos da época, que normalmente recebem menos pesticidas.
Saiba a origem do alimento
Consuma alimentos que você sabe de onde vieram. A Anvisa recomenda que o consumidor opte por alimentos que tenham a identificação do produtor no rótulo, o que contribui para o comprometimento dos produtores em relação à qualidade dos alimentos.
Opte pelos alimentos da sua região
Os alimentos que percorrem longas distâncias normalmente são pulverizados pós-colheita e possuem um alto nível de contaminação por agrotóxicos
Higienize bem os alimentos
Lave os alimentos com água sanitária, de preferência a que apresenta apenas hipoclorito de sódio em sua composição. O produto, porém, só é capaz de retirar os agrotóxicos que não penetraram no alimento, ou seja, estão na superfície.
Frutas e legumes com maior concentração de agrotóxicos
Abaixo, listamos os alimentos in natura com as maiores concentrações de agrotóxicos, segundo o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos da Anvisa (PARA), que realizou a análise em 2019. Ainda de acordo com o programa, 23% das amostras ultrapassaram os elevados limites máximos de resíduos.
- Pimentão - de 98 amostras com agrotóxicos, foram encontradas 82 com substâncias proibidos ou acima do limite
- Goiaba - de 53 amostras com agrotóxicos, foram encontradas 42 com substâncias proibidos ou acima do limite
- Cenoura - de 91 amostras com agrotóxicos, foram encontradas 40 com substâncias proibidos ou acima do limite
- Tomate - de 88 amostras com agrotóxicos, foram encontradas 35 com substâncias proibidos ou acima do limite
- Alface - de 63 amostras com agrotóxicos, foram encontradas 30 com substâncias proibidos ou acima do limite
- Uva - de 63 amostras com agrotóxicos, foram encontradas 30 com substâncias proibidos ou acima do limite
- Beterraba - de 34 amostras com agrotóxicos, foram encontradas 15 com substâncias proibidos ou acima do limite
- Laranja - de 59 amostras com agrotóxicos, foram encontradas 14 com substâncias proibidos ou acima do limite
- Abacaxi - de 54 amostras com agrotóxicos, foram encontradas 12 com substâncias proibidos ou acima do limite
- Manga - de 39 amostras com agrotóxicos, foram encontradas 9 com substâncias proibidos ou acima do limite
- Chuchu - de 14 amostras com agrotóxicos, foram encontradas 9 com substâncias proibidos ou acima do limite
- Batata Doce - de 9 amostras com agrotóxicos, foram encontradas 9 com substâncias proibidos ou acima do limite
- Alho - de 11 amostras com agrotóxicos, foram encontradas 5 com substâncias proibidos ou acima do limite
- Arroz - de 33 amostras com agrotóxicos, foram encontradas 5 com substâncias proibidos ou acima do limite
Fontes: Instituto Nacional de Câncer (Inca); Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)