O advogado criminalista e membro do Grupo Prerrogativas Bruno Salles Ribeiro esteve no Fórum Onze e Meia desta quinta-feira (24) e um dos pontos de destaque da entrevista foi a PEC da Segurança Pública, que foi entregue pelo presidente Lula (PT) ao Congresso Nacional nesta quarta-feira (23).
Salles defendeu que a PEC é uma iniciativa "absolutamente ímpar" na história do Brasil pois é a primeira vez que o governo federal se debruça sobre o tema da Segurança Pública, que historicamente sempre foi deixado como competência dos governadores do Estado.
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O advogado reconhece que, pela própria Constituição, essa área sempre foi mais reservada aos governos dos estados, mas que hoje o país vive "uma macrocriminalidade de nível nacional, que não pode ser mais vista como nível local até por conta da crescente interferência do crime organizado nas Forças de Segurança Pública".
"Então, esse cartel entre crime organizado, organizações criminosas e polícia não é novidade para ninguém. Antes do Padilha fazer o Tropa de Elite 2 e mostrar como as milícias se misturavam com a política e com a própria polícia, todo mundo já sabia que isso era algo que acontecia", afirma Salles.
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"E isso acontece em nível nacional, e é muito difícil esse problema ser contornado em nível local, inclusive porque a gente pode ter governadores que surfam em cima dessa onda, como a gente viu acontecer no Rio de Janeiro, e como a gente vê aqui uma propaganda contínua em São Paulo, do seu secretário de segurança pública, do Derrite, quanto às forças policiais", completa o advogado.
Nesse sentido, ele defende que a PEC é um "passo extremamente importante de coordenação nacional que vai olhar o combate à criminalidade organizada de uma maneira mais transversal, utilizando-se de inteligência e de uma maneira mais dirigida".
O advogado explica que até pouco tempo atrás, o Brasil não tinha uma central nacional de mandado de prisão, o que dificultava o combate à criminalidade. Enquanto isso, por outro lado, o crime organizado tem "tentáculos transnacionais".
"Então, era isso. A gente preso no Estado e o crime organizado já indo para fora do Brasil. Essa é a diferença de tecnologia. Essa PEC da Segurança Pública vem para atenuar um pouco essa discrepância de tecnologia que existia entre as organizações criminosas e as agências de combate às organizações criminosas", explica Salles.
No entanto, o advogado destaca que apesar de sua importância, é preciso avaliar a PEC da Segurança com "certa cautela", pois ela continua sendo uma "investida em repressão" como forma de combater o crime organizado. Para Salles, é preciso pensar em medidas que contornam a criminalidade do ponto de vista de ações que desestimulam o crime.
"Nós precisamos pensar em medidas que sejam estruturais de combate ao crime organizado. Como eu posso desestimular o crime? Porque o crime sempre vai ser uma avaliação subjetiva ou até coletiva de risco-benefício", analisa Salles. Ele afirma que o crime é sempre arriscado pela sua natureza, mas que se o risco for pequeno e a vantagem para o criminoso for maior, ele vai continuar na criminalidade.
"Isso não depende da psique das pessoas. Até porque a psique das pessoas, a índole das pessoas, a moral que todo mundo quer vender que o criminoso é um sujeito desviado, ela é bastante maleável. Quantas pessoas a gente não vê matando em nome de Jesus Cristo? Em nome de Deus?", questiona o advogado.
Salles cita que já deu aula na prisão e que dentro do local haviam presos que defendiam que "bandido bom é bandido morto". "O cara que comete crime, que está na vida criminosa, não se vê como bandido. E como os golpistas do 8 de Janeiro não se vê como bandidos. Então não é uma questão de moralidade pura, não é uma questão de sociabilidade pura, é uma questão de vantagem. Os criminosos do 8 de Janeiro não acharam que iam ser punidos, eles acharam que eles iam ser vitoriosos", declara o advogado.
Diante disso, Salles defende que, em primeiro lugar, é preciso medidas estruturais para diminuir as vantagens do crime, principalmente em relação ao crime patrimonial. O advogado afirma que "o crime é um empreendimento", precisa de tempo, dinheiro e coragem, e se o governo mina as vantagens em torno disso, os criminosos tendem a diminuir suas ações.
"Porque aí você está realmente diminuindo, você está evitando que as pessoas cometam crime. Você não está indo atrás de pessoas que já cometeram crime", explica.
Ele diz que no caso dos roubos de celulares, hoje em dia o interesse dos criminosos não é mais nos aparelhos, mas sim nas contas bancárias que poderão ser acessadas e roubadas. O objetivo do bandido com o furto de celular é fazer transferências e roubar os dados da vítima para aplicar golpes. "Cada celular é uma miniagência bancária dentro do bolso de cada pessoa que o carrega. Então, quando você corta esse fluxo financeiro, permitindo um bloqueio rápido dos valores, inclusive em outras contas, não vale mais a pena você furtar celulares", diz Salles.
Por isso, segundo o advogado, já há uma migração para outros tipos de crime, como as fraudes e golpes virtuais. "Por mais que a sensação de insegurança no Brasil tenha aumentado, os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que os crimes de rua estão diminuindo e migrando para os crimes de fraude virtuais. Porque é muito mais fácil. É muito menos arriscado. Você faz de qualquer lugar. Você põe uma pessoa ligando o dia inteiro pra outra, ou mandando mensagem, e você consegue uma transferência de 5 mil reais".
"Então, também em relação às fraudes, é importante essa lógica patrimonial. É importante pensar que nós precisamos de meios que vão coibir a vantagem desses crimes. E não simplesmente ficar correndo atrás do crime depois", finaliza Salles.
Confira a entrevista completa do advogado Bruno Salles ao Fórum Onze e Meia abaixo:
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