Morreu no final da tarde desta terça-feira (15) o bispo emérito de Blumenau (SC) Dom Angélico Sândalo Bernardino, aos 92 anos.
Religioso reconhecido por sua atuação pastoral e pelo compromisso com a luta social e em prol dos direitos humanos, Dom Angélico nasceu em 19 de janeiro de 1933, em Saltinho, cidade do interior de São Paulo, e ordenado sacerdote da Igreja Católica em 1959, em Ribeirão Preto.
Foi nomeado bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo em 1974, recebendo a ordenação episcopal no ano seguinte pelas mãos de Dom Paulo Evaristo Arns, outra figura icônica da Igreja progressista no Brasil.
Durante seu episcopado em São Paulo, destacou-se como coordenador da Pastoral Operária, atuando nas regiões de São Miguel Paulista, Belém e Brasilândia, fazendo parte da luta por moradia e saúde na Zona Leste da capital paulista. No período, Dom Angélico se posicionava contra a repressão, as torturas e o autoritarismo do regime militar, participando de ações e missas em memória de presos e desaparecidos políticos.
Como aponta o site Memórias da Ditadura, "seus contemporâneos na Igreja e nos movimentos sociais costumam apontá-lo como um bispo de vanguarda, respeitado pela ousadia, muito parecido com Dom Paulo no sentido de 'colocar o dedo na ferida, dizer o que precisava ser dito e fazer o que precisava ser feito".
Deitado na linha do trem
No livro Dom Angélico Sândalo Bernardino: bispo profeta dos pobres e da justiça, organizado por Waldir Aparecido Augusti, Dom Celso, que foi bispo-auxiliar do Ipiranga nos anos 1970 e 1980, conta em um capítulo que o amigo era muito requisitado para defender o povo em suas justas reivindicações. “Incansavelmente, corria de um lado para outro, impedindo que o povo fosse expulso de uma invasão, defendendo a posse de terrenos cobiçados pela especulação imobiliária e até deitando-se na linha férrea”, escreveu, segundo o Memórias da Ditadura.
Dom Celso se refere a um episódio ocorrido em agosto de 1977, quando um trem de subúrbio da Central do Brasil se chocou com um ônibus no bairro de Arruda Alvim, região de São Miguel, matando vinte e duas pessoas e ferindo outras. Não havia cancela para impedir que ônibus e automóveis avançassem sobre a ferrovia durante a passagem do comboio e em toda a extensão do ramal ferroviário colisões e atropelamentos eram frequentes.
Em setembro, após a realização de uma assembleia para se discutir o que fazer, Dom Angélico foi a público avisar que as missas de domingo estariam suspensas e que todos os católicos de São Miguel estavam convidados a irem se sentar e se deitar no trilho de trem junto com ele, obstruindo a passagem até que a reivindicação fosse atendida. Deu certo: alguns diias depois, as cancelas foram instaladas.
Aposentadoria
Foi nomeado pelo Papa João Paulo II como o primeiro bispo da recém-criada Diocese de Blumenau (SC), em 2000, onde permaneceu até sua renúncia, aceita em 18 de fevereiro de 2009, por limite de idade.
Próximo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atendeu a um pedido dele para celebrar uma missa em homenagem à ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, na ocasião de sua morte. Em maio de 2022, celebrou o casamento de Lula com Rosângela da Silva, a Janja.
Seguiu ativo também no debate político. Criticou duramente o projeto de lei que equiparava o aborto acima de 22 semanas ao crime de homicídio, o chamado PL do Estupro, em junho de 2024. Defendia que era necessário promover a educação sexual no país antes de punir mulheres que interromperam a gravidez.
“Simplesmente punir uma mulher sem discutir com profundidade uma situação tão complexa é uma leviandade. É um assunto legalista. É querer resolver pela lei um problema muito mais amplo e muito mais vasto”, afirmou à época. "Não podemos prender as mulheres antes de darmos a elas, e também aos homens, uma formação sexual e afetiva sólida.”
Repercussão
A morte de dom Angélico repercutiu nas redes sociais. em seu perfil no X, o ministro da Fazenda Fernando Haddad afirmou que o religioso foi "um exemplo da defesa pela democracia, pelos direitos sociais e pela dignidade que todos merecem. Meus sentimentos a familiares, amigos e fiéis".
O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) também lamentou a perda.