LUTA PELA TERRA

EXCLUSIVO: famílias assentadas no MA enfrentam ameaça de despejo por gigante da celulose

Moradores veem raízes de mais de 40 anos ameaçadas por interesses da iniciativa privada na região: "É mais que uma questão de posse"

Famílias em assentamentos no MA.Créditos: Arquivo Pessoal / Assentamento Riacho dos Traíras
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Cerca de 700 famílias que vivem há mais de quatro décadas em assentamentos do Maranhão correm risco em uma disputa fundiária com a empresa Suzano Papel e Celulose, uma das maiores fabricantes de celulose do mundo. Moradores denunciam pressões e intimidações constantes. Há dois meses, eles foram surpreendidos com uma ordem de despejo pela justiça.

“Tô com 50 anos e tô aqui dentro também. Meu pai veio para Vila Nova em 1968. Eu sou nascido em Vila Nova e eu sempre soube que essa área não é da Suzano, nunca foi. Aliás, nós nunca nem conhecíamos essa firma, ninguém aqui conhecia essa firma”, relata Ângelo Ribeiro de Souza, nascido e criado no Assentamento Sapucaia. “Não tem lógica isso, o que a gente está vendo aqui é um verdadeiro desrespeito com a população, que vai de criança até senhora de 70, 80 anos”

Segundo Ângelo, pessoas ligadas à Suzano estariam circulando ao redor não apenas do assentamento Sapucaia, mas também dos assentamentos Riacho das Traíras, Água Branca e Cascadas. O presidente da associação, Magdiel Silva, também conta que pessoas chegam ao local para fazer pressão nos moradores.

“Vão e voltam, param, tiram fotos do barracão. São pessoas que andam armadas, utilizam uma caminhonete pequena e motos, e ficam parando nas estradas, fazendo uma espécie de blitz", afirma. “Eles acham que é polícia e ficam fazendo pressão psicológica.”

Plantações, moradias e memórias ameaçadas

A multinacional brasileira de celulose que vende a imagem de sustentabilidade e "produtos sustentáveis", tem a posse de 1,17 milhão de hectares de terra, e reivindica extensas áreas, ao todo 40 mil hectares ocupados, o que, segundo os assentados, coloca em risco a estabilidade e a sobrevivência das famílias. A maioria dos moradores são agricultores familiares e dependem do cultivo da terra tanto para o próprio sustento quanto para o desenvolvimento econômico da região.

O conflito se arrasta há décadas. A região, alvo de interesse desde o projeto Ceumar – que prometia um “progresso” jamais levado para os pequenos agricultores –, revive agora mais um capítulo de incertezas.

“Daqui tiramos abacaxi, tiramos o queijo, o ovo, a galinha, o pato, tiramos tudo daqui. Arroz, feijão, nós temos milho, nós temos aqui um celeiro, um banco de alimentos para a sociedade de Vila Nova. Se isso aqui acabar, a bel prazer da Suzano, como é que vamos ficar? Nós estamos aqui há muito tempo. Quem tem que sair daqui é justamente a Suzano”, comenta o morador de Sapucaia.

Agricultores do assentamento Sapucaia, em Vila Nova dos Martírios. Foto: Reprodução / Instagram @assentamentosapucaia

Trabalhadores rurais criaram uma página nas redes sociais para reivindicar a luta por suas terras, explicando que “a luta pela permanência é mais do que uma questão de posse, é a busca por um futuro mais seguro e sustentável para as próximas gerações de trabalhadores rurais da região”, escreve a associação, que compartilha ações sociais promovidas nos assentamentos.

Caso vai à Câmara 

O caso chegou ao governo do Maranhão. Uma reunião foi realizada no dia 11 de fevereiro, em Cidelândia, com o vice-governador Felipe Camarão, que reafirmou o compromisso com os moradores. “Tivemos uma reunião com a Caroline, lá em Brasília, que o vice-governador conseguiu para a gente, eu comentei isso com eles lá também e o pessoal do INCRA”, destacou Magdiel.

Em visita aos assentamentos Riacho das Traíras, Sapucaia e Água Branca, o deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA) denunciou a tentativa da empresa Suzano de retirar famílias que vivem nessas áreas e cobra providências do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra):

“A Suzano precisa respeitar o direito dessas famílias. Não se pode admitir que, após 40 anos vivendo nessas terras, trabalhadores sejam expulsos em nome de interesses privados. Estamos diante de uma tentativa clara de expulsão que ameaça famílias inteiras

O Incra precisa agir imediatamente para impedir essa injustiça. Não aceitaremos passivamente que grandes empresas avancem sobre terras de assentamentos existentes há décadas. Vou levar essa denúncia à Câmara Federal e cobrar providências urgentes. É inadmissível que a Suzano trate trabalhadores rurais como invasores em suas próprias terras. Seguiremos firmes nessa resistência ao lado dessas famílias”

Outro lado

A Suzano foi procurada pela Fórum, mas não obteve retorno até o momento da publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.

Associados da empresa fizeram parte de grupo de empresários que apoiou aliados de Bolsonaro

De acordo com uma reportagem da Agência Pública, Jorge Feffer, neto do fundador da Suzano Papel e Celulose e integrante da Suzano Holding, doou R$ 50 mil para a campanha de Luiz Philippe Bragança, aliado de Jair Bolsonaro (PL), em 2022. A ligação do empresário com figuras-chave do bolsonarismo vai além do “príncipe”: a empresa de sua família teria sido favorecida por Ricardo Salles em um caso de fraude ambiental que envolvia o ex-ministro. Além de ter sido doador de Carla Zambelli em 2018, o empresário é considerado um dos principais financiadores da “direita” no país.

Naquele mesmo ano, o Ministério Público de São Paulo acusou Ricardo Salles de tentar modificar o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) Várzea do Rio Tietê para beneficiar indústrias, entre elas a Suzano, conforme documentos obtidos pelo De Olho nos Ruralistas. O grupo dos irmãos Feffer foi citado em pelo menos duas reuniões convocadas por Roberta Buendia Sabbagh, assessora de Salles, onde membros da Fundação Florestal foram pressionados a alterar o zoneamento da APA a pedido da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Em defesa, um dos depoentes afirmou que a Suzano seria impactada negativamente caso o mapa original fosse mantido. Daniel Feffer, um dos diretores da empresa, integrou o Conselho Superior Estratégico da Fiesp, enquanto Salles já ocupou cargo no Conselho Superior do Agronegócio da entidade. A Suzano, no entanto, não foi alvo da primeira ação movida pela Justiça.

Em nota à Agência Pública, a Suzano disse à época que “doações realizadas por colaboradores, executivos, ou pessoas ligadas à Suzano, são frutos de iniciativas pessoais, previstas em lei, e completamente dissociadas dos temas da empresa”. Sobre o caso envolvendo Ricardo Salles, afirmou que “já foi devidamente arquivado por unanimidade pelo Ministério Público de São Paulo com o reconhecimento da inexistência de qualquer ato ilícito por parte da Suzano”. A íntegra pode ser acessada aqui.

A Suzano deu início as suas atividades no Brasil em 1924, quando um imigrante ucraniano chamado Leon Feffer fundou uma pequena empresa de comércio de papel em São Paulo. Ao longo de um século, a empresa expandiu suas atividades, passando a fabricar sacos de papel e, posteriormente, a produzir celulose e papel:

  • Década de 1950: Iniciou a produção de celulose a partir de eucalipto;
  • Décadas de 1960 e 1970: Expandiu suas operações, iniciando a exportação de seus produtos para outros países;
  • Década de 2010: Se tornou uma das maiores produtoras de celulose do mundo, com operações no Brasil e em outros países;
  • 2019: Megafusão com a Fibria, outra companhia de papel e celulose brasileira, consolidando-se como uma das maiores empresas do setor de papel e celulose no mundo.
Empresa Suzano Papel e Celulose. Foto: Divulgação

Hoje, o presidente e representante da empresa é David Feffer, ao lado do irmão vice-presidente Daniel Feffer. A Suzano divide sua atuação em três segmentos: Florestal, Celulose e Papel. Atualmente, conta com cerca de 16 mil funcionários diretos e aproximadamente 20 mil terceirizados.  As áreas florestais adquiridas pela empresa se estendem por estados como São Paulo, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Pará, Rio Grande do Sul, Piauí e Tocantins, somando cerca de 2,4 milhões de hectares de eucaliptos e vegetação nativa.

"Estamos querendo produzir para sustento próprio e, obviamente, viver da pequena agricultura, da agricultura familiar, agricultura praticamente de subsistência. Porque uma hora vem a chuva, uma hora vem o fogo, certo? Alguns alegam que, a própria Suzano alega que é os trabalhadores, mas quem é que vai queimar a própria casa?", diz Ângelo Ribeiro de Souza, assentado no Sapucaia.

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