RELIGIÃO X SAÚDE

Jurista comenta decisão do STF que permite testemunha de Jeová negar transfusão

Supremo acatou, por unanimidade, a tese de que integrantes do grupo religioso podem rejeitar o recebimento de sangue, uma discussão jurídica antiga e controversa

Créditos: Gustavo Moreno/SCO/STF
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Chega ao fim uma das mais antigas discussões jurídicas do Brasil envolvendo um grupo religioso. O Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quarta-feira (25), que as testemunhas de Jeová podem se recusar a receber transfusões de sangue. Os adeptos de tal crença, por convicção e dogma, são proibidos de se submeter a tal procedimento médico. O placar final no STF foi unânime.

No entendimento da corte mais alta do Judiciário brasileiro, há fundamentos nos princípios constitucionais, quando observados parâmetros como a dignidade da pessoa humana e a liberdade de religião, para que um indivíduo se recuse a receber uma transfusão de sangue. A decisão, no entanto, trouxe condições claras e rígidas para que isso seja garantido ao cidadão, como ser maior de 18 anos, tomar tal decisão de forma livre e comunicar previamente, de maneira expressa, os médicos.

A escolha, no entanto, só é válida para o próprio paciente, sendo vetada a terceiros, exceto em caso de filhos menores de idade que tenham pais professando tal religião. Entretanto, nessas situações, é necessário existir no SUS um tratamento alternativo com eficácia comprovada e que seja indicado numa avaliação médica.

Para comentar a decisão do Supremo em relação às testemunhas de Jeová, a Fórum ouviu o jurista Rubens Beçak, professor de graduação e pós-graduação da USP, que é mestre e doutor em Direito Constitucional e livre-docente em Teoria Geral do Estado.

“Essa foi uma decisão da Corte Constitucional que chamou atenção na comunidade jurídica, porque formou-se uma maioria bem delineada que colocou como primazia o direito da convicção religiosa, que é importante e um dos valores que tem que decorrer de um estado plural que privilegie os direitos. Mas a decisão coloca em segundo plano o valor da sanidade integral e o valor da vida. Na minha perspectiva, quando a ciência, no caso um médico, dá um diagnóstico de que aquele paciente precisa de uma transfusão de sangue é porque já chegou a uma conclusão medicamente posta pelos seus próprios fundamentos de que aquilo é necessário para segurar a vida e a sanidade daquela pessoa. Então, se não se faz essa transfusão, você está colocando o valor da vida abaixo do patamar da liberdade de convicção religiosa”, considera Beçak.

O professor não questiona a decisão do STF, relembra que a Corte atuou fortemente em defesa da saúde pública num passado recente, mas afirma que a situação envolvendo as testemunhas de Jeová foi em outra direção.

“As decisões do Supremo têm que ser cumpridas, porque é o escudeiro fiel dos poderes e quem garante a Justiça e o Estado Democrático de Direito. Tem momentos em que claramente o Supremo vai no sentido de defender a vida e o valor da sanidade, como por exemplo nas decisões que a Corte deu com relação à obrigatoriedade da vacina e investigações em defesa do combate à pandemia da Covid-19. Agora, essa decisão que vai em sentido contrário”, explica o experiente jurista.

Sobre o mérito da decisão em si, quando colocada face a face com o princípio da vida, Beçak afirma que, tendo em vista o caminho tomado pelo STF neste caso, sobretudo em alguns votos, o que ficou claro é que aspectos de crença prevaleceram em relação ao mais valioso dos princípios. O jurista diz entender, mas dá sinais de que tal interpretação é questionável e controversa.

“Os argumentos que vi, como nos votos do ministro Alexandre de Moraes e do ministro Luiz Fux, vão, claramente, nesse sentido, de que haveria um ferir de algo muito claro a quem segue a religião ao se impor algo em nome da ciência, um princípio médico, para salvar o paciente. Mas percebo que é um valor religioso na frente de um princípio de defesa da vida”, conclui.

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