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Sérgio Amadeu sobre bolha ‘nazi-incel’: “Elon Musk já declarou que os protege”

Em entrevista ao Fórum Onze e Meia, sociólogo entusiasta do software livre explica que autoridades têm condições de identificar difusores do ódio mas dependem de colaboração das plataformas

Sérgio Amadeu, sociólogo.Créditos: Tânia Rego/Agência Brasil
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Em reportagem publicada nesta quinta-feira (25), a Revista Fórum revelou o modus operandi de uma rede de perfis no X, antigo Twitter, que propaga apologias ao nazismo e ameaças a variados alvos – geralmente comunicadores de esquerda – de forma sistemática. Enquanto a matéria ia ao ar, o Fórum Onze e Meia entrevistava Sérgio Amadeu, sociólogo e entusiasta do software livre, que comentou o conteúdo da reportagem, apresentado em primeira mão na TV Fórum.

Amadeu se ateve a um detalhe da trama no começo da sua participação, que diz respeito ao fato de esses perfis se vangloriarem de usar VPN, uma técnica que permite ocultar a identidade da conexão, para atuar em impunidade.

Segundo o especialista, a estratégia não é exatamente segura e, tecnologicamente falando, é possível, sim, que a polícia consiga identificar operadores de perfis que cometem tais crimes na internet. O problema, segundo Sérgio Amadeu, é que essa identificação depende da colaboração das plataformas, e no caso analisado pela Fórum, trata-se do X, de Elon Musk, que já declarou que irá proteger este tipo de usuário.

Na conversa com Renato Rovai e Adriana Delorenzo, o sociólogo também fez comentários sobre as noções de “liberdade” da extrema direita, entre outros elementos, que embalam grupos como esse.

Leia a seguir os principais trechos

“Elon Musk os protege”

A pessoa cria um perfil numa rede social, no antigo Twitter, o X, no Facebook, no Instagram, no TikTok… Veja: quando ele cria esse perfil, pode ter usada a VPN. Agora, ele para a rede social, não vai ser um anônimo, muito difícil ele ser um anônimo, porque ele não vai conseguir manter um padrão de segurança de VPN o tempo todo. Vai entrar de um celular, vai entrar de uma outra máquina, ou ele vai tendo o seu perfil detalhado.

Afinal, o que faz a rede social para monetizar, para vender os perfis para quem quer anunciar ou atingir aquele perfil que está dentro de uma amostra que o cara comprou? Por exemplo, a Coca-Cola quer atingir pessoas de média idade que gostam de tais coisas, a rede social tem essa amostra e isso é que dá o dinheiro dela. Então, o tempo todo, ela está com algoritmos tentando identificar que aqueles dois perfis que foram criados, na verdade, são de um só. Então a plataforma reúne, e sabe quem é.

As redes sociais conseguem identificar. E nesse caso de ameaça de morte - que não é uma opinião, nem um mero xingamento, mas algo extremamente agressivo, que gera sofrimento nas pessoas, temor, instabilidade psíquica - a polícia tem condições de acionar o Ministério Público, e dentro de toda a tramitação legal, solicitar esses perfis. E por mais que eles eles acessem o tempo todo de VPN, esses perfis são identificáveis na maioria dos casos, e, portanto, essa rede social, ela não pode colaborar com o discurso de ódio, com a prática neonazista. Não pode colaborar com o fascismo.

O problema é que o Elon Musk já disse que colabora. Ele disse que colabora e que não tem nenhum problema, que isso é liberdade de expressão.

A 'liberdade' da extrema direita

Esse caso que vocês reportaram é muito evidente do que é a prática da extrema direita e de qual o conceito de liberdade que eles têm. O conceito de liberdade que eles têm é o conceito de poder realizar qualquer tipo de ato, mesmo que esse ato seja violento, antissocial e criminoso.

Para nós que defendemos a democracia e que sabemos que a liberdade é uma relação social, a liberdade não é algo que dá em árvore, a liberdade não é algo que brota da água, da natureza. A liberdade é inclusive uma palavra criada e um conceito criado dentro de relações humanas, de relações sociais.

Essa liberdade não faria nenhum sentido se alguém fizer um discursos mais ou menos assim: “olha, vem aí um grande objeto celeste, um cometa, e que ele está batendo em todos os asteroides, retirando coisas do lugar, ele é livre”.

Ora, isso não é liberdade. Isso se chama força, isso se chama física, e o que esses caras estão defendendo nas relações sociais é algo muito útil ao neoliberalismo, e muito útil a criar, na verdade, sensacionalismos para as redes sociais.

Perigo para alvos vulneráveis

Essa prática de agressão, de expor elementos da vida de pessoas que eles discordam, são muito perigosas para adolescentes, principalmente mulheres, que eles perseguem.

Nesse caso que vocês relataram, eles estão atuando em função da extrema direita, organizados, mas em geral eles têm um preconceito, eles têm uma prática que a gente vê em relatos. Não é a primeira vez que isso acontece, infelizmente não será a última. Se você pega várias matérias em outros países, a própria BBC fez diversas mostrando pessoas que, inclusive, saem das redes digitais e atuam no espaço presencial, fazendo agressões, vamos ver que são esses grupos incels que se transformaram em extrema direita, fascismo e neofascismo.

Esse tipo de ideologia tem essa capacidade de organizar as frustrações e, em vez de tratá-la, transforma a frustração em um elemento contra uma minoria, contra um gênero, contra uma força política, e isso gera esse tratamento odioso. É a técnica da extrema direita, a extrema direita Está acontecendo no mundo inteiro, isso precisa ser combatido, precisa ser denunciado, e também tratado.

Combate

Eu acredito que essa conduta é criminosa e precisamos ir além de denunciar perfis nas redes sociais; é necessário alertar o Ministério Público. O MP deveria criar uma área específica para lidar com esses crimes, que geram muitos transtornos, especialmente para as pessoas mais frágeis. Grupos de extrema direita frequentemente usam a violência como parte de sua essência e estratégia.

Eles odeiam a diversidade e a igualdade de direitos, e essa violência está enraizada em suas práticas diárias. Eles não aceitam a felicidade dos outros e distorcem os princípios cristãos para promover sua agenda violenta e hierárquica. É necessário combater esse fascismo interno e a crescente ameaça fascista global, que pode levar a guerras e extermínios, como vimos no passado. Precisamos denunciar e tratar como crime qualquer conduta criminosa, sobretudo as desse tipo.

Assista a entrevista na íntegra a partir de 1 hora e 26 minutos