RELIGIÃO

Protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais: você sabe a diferença?

Nesta série de artigos, exploraremos as principais etapas e eventos da história do protestantismo no Brasil para o leitor da Fórum

Créditos: Facebook / IURD
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Uma das maiores dificuldades quando se fala de política e religião no Brasil hoje é a nítida generalização sobre quem são os evangélicos no Brasil. Tudo parece resumir-se a “neopentecostais” como se somente após a chegada dessa vertente é que passasse a existir evangélicos no Brasil e sua participação na política. Visando ajudar um pouco a entendermos processos e acontecimentos históricos, toda sexta-feira traremos um artigo sobre a realidade evangélica no Brasil e seus desdobramentos. Que isso nos ajude a entendermos um pouco a realidade e a sabermos como dialogar e estancar o crescimento da ala mais perigosa e fundamentalista desse campo religioso hoje tão proeminente na cultura e na política brasileira.

A história do protestantismo no Brasil é uma narrativa rica e complexa que remonta aos primeiros séculos da colonização portuguesa até os dias atuais. O protestantismo, com suas várias denominações e tradições, desempenhou um papel significativo na religião, na cultura e na sociedade brasileira, ajudando a moldar a identidade religiosa do país e contribuindo para mudanças sociais e políticas ao longo do tempo. Nesta série de artigos, exploraremos as principais etapas e eventos da história do protestantismo no Brasil para que o leitor da Fórum saiba diferenciar quando necessário em uma conversa ou nos debates que se apresentarem.

Chegada dos Primeiros Protestantes ao Brasil (protestantismo histórico)

Os primeiros protestantes a chegarem ao Brasil foram colonizadores europeus, muitos dos quais traziam consigo suas próprias tradições religiosas. No entanto, a presença protestante no Brasil era limitada durante os primeiros séculos da colonização, principalmente devido à influência dominante da Igreja Católica Romana e às políticas de exclusão religiosa adotadas pelas autoridades coloniais.

Durante o período colonial, o protestantismo era oficialmente proibido no Brasil, e os poucos adeptos que viviam no país enfrentavam perseguição e discriminação por parte das autoridades coloniais e da Igreja Católica. No entanto, havia uma presença clandestina de protestantes, principalmente devido à presença de comunidades estrangeiras, como os holandeses no Nordeste do Brasil durante o período da invasão holandesa.

O século XIX marcou o início da expansão do protestantismo no Brasil, com a chegada de missionários estrangeiros, principalmente do sul dos Estados Unidos, de várias denominações protestantes, como Batistas, Presbiterianos e Metodistas. Esses missionários desempenharam um papel fundamental na disseminação do evangelho e na fundação das primeiras igrejas não católicas no país. A imigração de europeus e americanos também contribuiu para o crescimento do protestantismo no Brasil. Essas são as chamadas igrejas históricas, além das igrejas Luterana e Anglicana, que já haviam chegado ao Brasil, mas não numa lógica expansionista e evangelizadora.

As igrejas protestantes desempenharam um papel ativo no debate público sobre questões sociais e políticas, defendendo princípios como a liberdade religiosa, os direitos humanos e a justiça social. Além disso, o protestantismo contribuiu para a diversificação religiosa do Brasil, criando um ambiente religioso mais pluralista e dinâmico.

Pentecostalismo no Brasil

A história do pentecostalismo no Brasil remonta ao início do século XX e desempenhou um papel significativo na transformação do cenário religioso e cultural do país. O pentecostalismo, com suas ênfases na experiência do Espírito Santo, no falar em línguas e na cura divina, cresceu rapidamente no Brasil, tornando-se uma das maiores correntes do cristianismo no país.

O movimento pentecostal chegou ao Brasil no início do século XX, trazido por missionários estrangeiros, que pregavam o avivamento pentecostal experimentado nos Estados Unidos. O movimento teve seu marco inicial com a fundação da primeira igreja pentecostal em solo brasileiro, a Congregação Cristã no Brasil, em 1910, por Louis Francescon, um missionário italiano-estadunidense.

Em 1911 começaria o maior movimento pentecostal brasileiro: a Assembleia de Deus, que chegou ao Brasil no início do século XX trazido por missionários americanos e escandinavos. Um dos pioneiros foi Gunnar Vingren, pastor sueco-batista que, junto com Daniel Berg, missionário sueco batista, fundou a primeira congregação no Brasil em Belém do Pará. Inicialmente, o movimento enfrentou resistência e oposição por parte das autoridades eclesiásticas e da sociedade em geral, que viam com desconfiança as práticas pentecostais.

O pentecostalismo cresceu rapidamente no Brasil, atraindo milhões de seguidores em todo o país. Sua mensagem de renovação espiritual, cura divina e poder sobrenatural ressoou especialmente entre as camadas mais pobres e marginalizadas da sociedade brasileira, oferecendo esperança e conforto em meio às dificuldades e desafios da vida cotidiana. A Assembleia de Deus, em particular, tornou-se uma das maiores denominações protestantes do Brasil, com milhões de membros e uma vasta rede de igrejas em todo o país. Essa é a chamada “primeira onda pentecostal”.

Segunda onda pentecostal

A segunda onda pentecostal no Brasil designa o movimento que surgiu após a década de 1950 e foi marcada por várias características distintivas. Uma delas foi o rápido crescimento das igrejas pentecostais em todo o país, com milhões de novos convertidos sendo atraídos para o movimento. Além disso, houve uma diversificação das igrejas, com o surgimento de novas denominações e movimentos carismáticos, cada um com suas próprias ênfases teológicas e práticas religiosas. Essa diversificação também se refletiu na música, na liturgia e nas formas de adoração das igrejas pentecostais, que se tornaram cada vez mais influentes na cultura popular brasileira.

Vários fatores contribuíram para a segunda onda pentecostal no Brasil. Um deles foi o contexto histórico e social do país, marcado pela urbanização rápida, migração em massa para as cidades e mudanças econômicas e culturais. Nesse ambiente de incerteza e transformação, as igrejas pentecostais ofereciam uma mensagem de esperança, cura e renovação espiritual que ressoava entre as camadas mais pobres e marginalizadas da população. Além disso, a adoção de estratégias de evangelismo agressivo, como cultos ao ar livre, cruzadas de cura e distribuição de literatura religiosa, contribuiu para o crescimento das igrejas pentecostais e a expansão de sua influência, principalmente por meio do rádio.

Fazem parte da segunda onda pentecostal igrejas como a Igreja do Evangelho Quadrangular, O Brasil para Cristo, Igreja Pentecostal Deus é Amor, Igreja Unida, Casa da Bênção, entre outras.

Neopentecostalismo

O neopentecostalismo tem suas raízes no pentecostalismo tradicional, que surgiu no início do século XX. No entanto, o neopentecostalismo se desenvolveu como uma reação a algumas das limitações percebidas do pentecostalismo clássico, como a ênfase excessiva na experiência emocional e na santidade pessoal, em detrimento da prosperidade material e do sucesso na vida.

A década de 1970 marca o surgimento de várias igrejas e líderes que se tornariam emblemáticos do neopentecostalismo, como a Igreja Universal do Reino de Deus, fundada pelo Bispo Edir Macedo em 1977, e a Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada pelo Missionário R. R. Soares em 1980. Essas igrejas introduziram novas abordagens de evangelismo, teologia e práticas religiosas que se tornariam características do neopentecostalismo.

Muitos críticos argumentam que a teologia da prosperidade promovida pelo neopentecostalismo é excessivamente materialista e individualista, desviando-se dos ensinamentos do cristianismo tradicional sobre humildade, sacrifício e serviço aos outros. Além disso, algumas práticas de exorcismo e libertação espiritual são vistas como sensacionalistas e potencialmente prejudiciais, além das teologias da batalha espiritual e uma das mais faladas atualmente: a teologia do domínio.

Em resumo, o neopentecostalismo é um movimento religioso dinâmico e em constante evolução, que teve um impacto significativo na religião, na cultura e na sociedade brasileira, principalmente na política. O projeto de poder abraçado pelo neopentecostalismo influenciou igrejas pentecostais e históricas que hoje fazem parte dessa grande arrancada do fundamentalismo religioso que impõe ao povo brasileiro aberrações como a bancada evangélica e a narrativa cada vez mais dominante, aliada ao fascismo, de “Deus, pátria e família”.

Na próxima semana falaremos sobre a aproximação histórica dos evangélicos à política institucional.