No debate desta noite entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo, realizado na Record TV, o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), que busca a reeleição, foi colocado numa situação incômoda pelo adversário, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL). Após dizer várias vezes que é “um homem equilibrado”, e que tem “um passado limpo”, acusando o oponente de ser um “extremista” e de supostamente “não gostar de polícia”, o chefe do Executivo paulistano foi “lembrado” sobre um episódio em que deu tiros para o alto na porta de uma balada localizada em Embu das Artes, na Região Metropolitana de São Paulo, há 28 anos.
Visivelmente irritado e sem reação, num primeiro momento o prefeito falou de outro assunto, mas foi cobrado na réplica de Boulos. Sem saída, ele apresentou uma versão até então desconhecida, de que teria “ido separar uma briga” porque ele é um homem “de ação”, negando qualquer disparo na via pública, algo bem diferente do que consta no boletim de ocorrência registrado à época, ocasião em que Nunes foi detido e levado à delegacia.
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Relembre o caso, revelado no início do ano
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), um senhor que hoje se apresenta como “conservador” e é parte da “cruzada contra a esquerda” que setores reacionários da sociedade travam nos últimos anos, e que tenta de qualquer forma se agarrar à imagem de Jair Bolsonaro e da extrema direita para conseguir mais um mandato à frente da maior megalópole do país, tem um passado, digamos, nem tão “conservador” assim, conforme mostra uma reportagem publicada pelo portal Metrópoles.
O ano era 1996 e o dia era 23 de setembro. Na verdade, uma madrugada de sábado para domingo. Nunes e um amigo tinham ido a uma balada chamada Caipirão, em Embu das Artes, na Região Metropolitana da capital paulista. Não se sabe exatamente o que aconteceu naquela noite, mas o fato é que às 3h um policial civil que fazia bico no estabelecimento, e que estava dentro de um carro na porta da boate, ouviu um tiro. Ele desceu do veículo e diz que vi Nunes com uma pistola na mão, junto de um outro homem. Na sequência, revela ainda este depoimento, o agora prefeito de São Paulo teria efetuado ainda mais um disparo.
O investigador teria sacado sua arma e abordado Nunes, enquanto o amigo dele fugiu do local. Nessa época o político era um jovem de 28 anos, solteiro. Como era de se esperar, ele foi conduzido a uma delegacia de polícia para formalizar o ocorrido. Por sorte, a história ocorreu sete anos antes da entrada em vigor da Lei 10.826/03, o Estatuto do Desarmamento, que tornou a posse e o porte ilegais, assim como crimes relacionados a armas de fogo, como disparos em via pública, atos muito mais graves e passíveis de penas muito maiores. À época do incidente com Nunes, estar com uma arma não registrada, sem porte e dando tiros era algo considerado apenas uma contravenção.
Na versão de Nunes na delegacia o disparo teria sido “acidental” e efetuado por seu amigo, Marcio Gonzales Garcia, conhecido como “Bexiga”, que de fato era o dono da arma, registrada em seu nome. Na mesma versão do hoje prefeito, Garcia não teria entrado no registro da ocorrência simplesmente por não ter sido “convidado” ao DP, sem mencionar uma fuga. Após assinar o termo circunstanciado, Nunes foi liberado.
Ainda que à época essa ilegalidade fosse muito mais leve do que é hoje, o agora político foi denunciado pela promotora Silvia Tomaz Lourenço Moreno de Oliveira no ano seguinte, por infringir os artigos 19 (porte de arma sem licença) e 28 (disparar arma de fogo em local público ou habitado), ainda com base na Lei das Contravenções Penais.
Sem julgamento
Mas Nunes não foi a julgamento. Ele acabou assinando um acordo, chamado juridicamente de “transação penal”, na 2ª Vara Criminal de Embu das Artes, no qual ficou estabelecido que ele compraria o equivalente a R$ 120 reais, em valores da época, em canecas plásticas para o Serviço Social da Comarca da cidade de Itapecerica da Serra (SP), o que de fato acabou se concretizando tempos depois. No ano seguinte, em 1998, uma juíza determinou o arquivamento definitivo do processo.
O Metrópoles afirmou que procurou o amigo de Nunes, Marcio Gonzales Garcia, que hoje é empresário na área de construção civil, mas não conseguiu localizá-lo. Já o prefeito, emitiu uma nota na qual sinaliza que “o fato foi há quase 30 anos” e que “a arma e o veículo envolvidos na ocorrência eram de um terceiro”.
“O episódio datado há quase trinta anos refere-se a um disparo acidental de arma registrada em nome de outra pessoa e sem consequências para nenhuma parte. O depoimento foi atendido prontamente conforme orientação policial na ocasião. Tanto a arma como o veículo onde a mesma foi encontrada pertenciam a terceiro, que deixou o local sem prestar esclarecimento”, manifesta o comunicado.