Especialistas ouvidas pela Fórum consideram "emblemática" e "importante" a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (TRT21), do Rio Grande do Norte, divulgada nesta terça-feira (9), que condenou a rede de fast food Habib's a indenizar em R$ 20 mil uma funcionária que disse à Justiça ter sido mantida em cárcere privado por sua superiora direta.
A funcionária, que trabalhou em uma unidade do Habib's entre novembro de 2018 e março de 2023, diz que foi trancada em uma sala pela chefe no dia 13 de julho de 2022, durante sua jornada de trabalho. No local, teria sofrido insultos, ameaças físicas e psicológicas, que teriam gerado estresse pós-traumático, comprovado por exames anexados ao processo.
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O cárcere privado ao qual foi submetida seria uma "punição" à trabalhadora por ter denunciado suposto desvio de dinheiro do restaurante por parte da chefe e seu marido.
À Justiça, a rede Habib's negou que superiores tenham trancado a funcionária em uma sala, bem como as denúncias de assédio moral.
“Aborrecimentos, contrariedades, frustrações, irritações ou pequenas mágoas, são sentimentos que de maneira geral, fazem parte do cotidiano do ser humano, seja no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar”, diz a empresa.
Apesar disso, a desembargadora Auxiliadora Rodrigues, responsável pela análise do caso, ressaltou que laudos periciais comprovaram os danos psicológicos supostamente causados pela humilhação imposta à funcionária e, com base em materiais probatórios reunidos ao longo das investigações, condenou a rede de fast food.
Diz trecho da decisão proferida pela desembargadora-relatora:
"É importante destacar que o assédio moral pressupõe a existência de conduta abusiva do agente, que por meio de comportamento, atitudes, gestos, palavras, atos diretos ou indiretos, utilizados de forma repetida ou sistemática, afrontam a dignidade ou a integridade da vítima, mantendo-a acossada. Ressalte-se que a reclamante teve sua dignidade e honra atingidas, sendo as feridas pela atitude da reclamada que tentou de todos os modos humilhá-la e ferindo seus direitos de personalidade. Portanto, resta evidente a configuração de assédio moral, sofrido pela reclamante, que se configura como uma violência moral no trabalho, seguido de humilhações, ameaças, terror psicológico e hostilização contínua, criando um ambiente insalubre de recorrente beligerância".
Especialistas comentam condenação do Habib's
Em entrevista à Fórum, a advogada trabalhista Fernanda Corrêa destaca um trecho do acórdão judicial que trata sobe a "total ausência de amparo por parte do gestor da unidade" diante de uma denúncia feita pela funcionária.
"Com a experiência em processos trabalhistas, cada vez mais observamos que as empresas não devem apenas se preocupar com seu produto final ou questões burocráticas ligadas a gestão do negócio, mas de igual importância os mecanismos de prevenção e controle, a capacidade de gestão humana, que inclui a correta formação de gestores e treinamento constante. Infelizmente, a pouca preocupação com elemento humano da equação capital-trabalho tem trazido consequências caras aos empregadores", analisa a especialista.
Segundo a advogada, "as empresas devem estar atentas e preparadas para propiciar um ambiente laboral seguro e saudável, visando combater os riscos à saúde física e mental que atinge os trabalhadores". Fernanda Corrêa chama atenção ainda para a Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que define saúde no trabalho como algo que abrange "não só a audiência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho".
"Dessa forma, devemos ficar atentos ao judiciário e sua evolução humanista, já que está não é uma decisão isolada, onde não teremos apenas questões burocráticas de uma relação de trabalho, mas uma análise abrangente com relação à qualidade desse trabalho", finaliza a especialista.
Também ouvida pela Fórum, a advogada trabalhista Nadine Henn disse que o caso do Habib's é "emblemático porque reafirma a necessidade de atenção das empresas para práticas ilícitas como essa, desnaturalizando abusos que podem levar ao adoecimento e à incapacidade laboral dos trabalhadores, com consequências financeiras e sociais ao empreendimento".
"Além do assédio moral vertical, a doutrina e a jurisprudência trabalhista reconhecem o assédio horizontal, interpessoal, institucional e misto, conforme a Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral editada pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho", prossegue Nadine.
"A decisão é uma importante advertência sobre a necessidade de adoção de mecanismos e protocolos seguros e sigilosos para denúncias internas, assim como para tratamento de episódios como esse. É urgente que as empresas alinhem suas posturas com a boa governança, evitando a exposição de seus empregados a situações como essa e prejuízos que possam afetá-la em razão da condução ineficiente de problemas internos".
Outro lado
Em nota, o Habib1s afirmou que não houve condenação por cárcere privado e negou as acusações feitas pela funcionária e acatadas pela Justiça.
“A empresa reitera seu compromisso com a ética e a transparência em suas relações trabalhistas, repudia qualquer forma de violência e discriminação e está comprometida com o respeito aos direitos de seus colaboradores", diz o comunicado.
Bolsonarista arrependido
Dono da rede Habib's, o empresário Alberto Saraiva foi um dos apoiadores mais radicais no início do governo Jair Bolsonaro.
No entanto, após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele foi abandonando o bolsonarismo e chegou a elogiar o atual mandatario e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista ao portal UOL em julho desse ano.
“Teve um período meio complicado, mas quando assumiu agora está tendo sorte, as coisas estão favoráveis. E [tem] competência também”, disse sobre Lula.
Já sobre Haddad, Saraiva rasgou elogios e disse que o empresariado está ao lado do ministro. "De zero a 10, é 10", disse o empresário, que ainda se mostrou arrependido em apoiar Bolsonaro, a quem não apoiaria novamente. "Não apoiaria, tem 500 coisas para justificar isso".