VIOLÊNCIA POLICIAL

Tiroteios com agentes de segurança prejudicam saúde de moradores de favelas, diz estudo

Comparação de comunidades do Rio de Janeiro revela impactos da violência na saúde física e psicológica

Operações policiais nas favelas restringe procura por serviços de saúde.Créditos: Reprodução
Escrito en BRASIL el

Moradores de favelas têm a saúde diretamente afetada pela exposição a tiroteios, conforme o relatório Saúde na linha de tiro: Impactos da guerra às drogas sobre a saúde no Rio de Janeiro. O documento, elaborado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), analisa os impactos da violência sobre a saúde física e psicológica de usuários e funcionários da saúde em comunidades cariocas.

Para a pesquisa, foram feitas 1.500 entrevistas com pessoas de seis diferentes comunidades do Rio de Janeiro com perfil socioeconômico semelhante, mas com diferentes graus de exposição à violência armada provocada por agentes da segurança pública, como a Polícia Civil e a Militar.

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O objetivo das entrevistas foi entender o impacto dessa violência no acesso aos serviços de saúde e no quadro de saúde da população. 

"Este relatório mostra como, mesmo entre comunidades cariocas com características socioeconômicas semelhantes, as mais afetadas por operações policiais são aquelas onde mais se adoece."

Além disso, foram investigados os custos econômicos relacionados a afastamentos de atividades habituais provocados por problemas de saúde; interrupção dos serviços de saúde; e tratamento de determinadas morbidades agravadas pela contínua exposição a tiroteios provocados por agentes do Estado.

A desigualdade no sistema público de saúde

O relatório expõe a limitação do acesso aos direitos básicos e do exercício da plena cidadania por parte de moradores de favelas. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) visava o serviço de saúde universal e integral, porém "a consolidação dessas diretrizes enfrenta, no cotidiano, numerosas dificuldades", segundo o relatório. 

As unidades de saúde, a exemplo de UBS (Unidades Básicas de Saúde) e UPA (Unidades de Pronto Atendimento 24h) são passos para a democratização ao acesso à saúde, porém perpassam por recorrentes problemas de financiamento, que tornam "persistentes as desigualdades na assistência oferecida à população".

Em 2001, a promulgação da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (PNRMAV) pelo Ministério da Saúde determinou a morte por violências como um problema de saúde pública e estabeleceu medidas para o seu enfrentamento.

Segundo o relatório, a violência nos serviços de atenção à saúde nos territórios tem consequência negativa ao adiar consultas, suspender visitas e atendimentos domiciliares e provocar medo nos profissionais de saúde.

Alguns dos efeitos são:

  • Aumento da demanda de atendimentos de acompanhamento com profissionais da área da saúde mental, de reabilitação e de serviços de urgência e emergência;
  • Interrupção dos serviços de saúde devido às cenas de violência, que geram a falta de segurança para o oferecimento do atendimento e desorganizam o trabalho de saúde;
  • Adoecimento psíquico dos profissionais de saúde que atuam nos territórios com conflito armado.

"É possível argumentar que as situações de violência têm caráter ainda mais complexo ao fragilizar princípios da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), como: integralidade da assistência, intersetorialidade e o processo de territorialização das equipes. A descaracterização desses pilares devido aos episódios de violência impede que a atenção primária se desenvolva de forma adequada."

O Ministério da Saúde, em publicação de 2005, afirmou que "ao sistema de saúde, as consequências da violência, dentre outros aspectos, se evidenciam no aumento de gastos com emergência, assistência e reabilitação, muito mais custosos que a maioria dos procedimentos médicos convencionais".

Os resultados do relatório

O relatório utilizou o ano de 2019 como referência para os registros de tiroteios com presença de agentes da segurança pública, sob a justificativa do período ser anterior à pandemia de Covid-19, que "impactou o funcionamento dos serviços de saúde em todos os países e no Brasil".

A pesquisa recolheu dados de episódios de violência armada, o perfil socioeconômico da comunidades e localização das unidades de saúde; 250 questionários foram distribuídos em cada uma das seis comunidades Vidigal (zona sul), Parque Proletário dos Bancários (zona norte), Nova Holanda (zona norte), Parque Conquista (zona norte), CHP-2 (zona norte) e Jardim Moriçaba (zona oeste).

Dados do Fogo Cruzado

Em 2019, o Instituto Fogo Cruzado registrou 4.346 tiroteios na cidade do Rio de Janeiro, dos quais 1.277 tiveram a presença de agentes de segurança. Foram identificados episódios de conflito armado a 400 metros de distância de unidades de saúde em cada comunidade.

Quantidade de episódios:

  • Vidigal: 14;
  • CHP-2: 13;
  • Nova Holanda: 16;
  • Parque Proletário dos Bancários, Parque Conquista e Jardim Moriçaba: 0

Entre as perguntas, os seguintes temas foram questionados:

  1. Filtro: buscam saber se os entrevistados residem na comunidade no recorte necessário;
  2. Estado de saúde: percepção pessoal da própria saúde, com perguntas sobre estado geral, diagnósticos, usos de medicamentos e impedimento de realização de atividades por morbidades;
  3. Promoção da saúde: utilização dos serviços de atenção primária de saúde (APS) nos 12 meses anteriores à pesquisa, demanda em situações de emergência, visitas de Agente Comunitário de Saúde e possíveis internações.
  4. Perfil socioeconômico: perguntas sobre cor, idade, escolaridade e renda.

Quanto ao estado de saúde, 64% dos entrevistados responderam ter saúde boa/muito boa, oito pontos percentuais a menos do que a avaliação geral da população do Rio de janeiro, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). "Ou seja, moradores de comunidades consideram seu estado de saúde pior do que moradores do restante da cidade", diz o relatório.

Outro achado da pesquisa diz respeito às morbidades relatadas por moradores. O número de pessoas com hipertensão arterial, insônia prolongada, depressão e ansiedade é maior com a exposição de tiroteios provocados por agentes de segurança. 

Os resultados também mostram mais casos de suor, falta de sono, tremor, falta de ar e coração acelerado nessas favelas, diferente dos sintomas apresentados nas comunidades menos expostas.

No ponto da procura pelos serviços de saúde, os moradores de comunidades com violência armada procuraram menos as UBS – 29,6% menos do que nas sem a presença de agentes de segurança – que pode ser justificado pela interrupção dos serviços. 

Por fim, as unidades de saúde precisaram ser fechadas quatro vezes mais em comunidades expostas em comparação com aquelas sem – restrições em 59,5% dos casos nas mais expostas e 12,9% nas menos. Isso reflete na falta ou demora da procura dos serviços de saúde por moradores, além da redução de produtividade nos atendimentos.

Porém, buscaram mais os atendimentos de emergência, "o que também pode estar associado ao grau de exposição à violência armada por eles vivenciada".

  • Hipertensão: 31,9% com maior exposição;
  • Insônia prolongada: 70,6% com maior exposição;
  • Depressão: 63,4% com maior exposição;
  • Ansiedade: 21,7% com maior exposição.

O que encontraram pesquisas semelhantes?

Em 2014, os autores da pesquisa O impacto da violência no acesso à saúde nas comunidades de baixa renda encontraram que as consequências da violência armada na oferta dos serviços de saúde eram maiores do que na demanda. "Os moradores das comunidades sem UPP relataram com maior frequência que as unidades de saúde interromperam o funcionamento e que os profissionais ficaram impedidos de chegar até seus locais de trabalho", conta o relatório do CESeC.

O Estudo com moradores das 16 favelas da Maré, do projeto Construindo Pontes, teve a participação de 1.211 respostas de moradores sobre os problemas de saúde física ou mental no cenário de violência. Os resultados foram uma associação de níveis elevados de exposição à violência armada ao medo e sensação de insegurança.

O projeto do CESeC

O relatório é a terceira das quatro etapas do projeto Drogas: quanto custa proibir, que calcula os custos financeiros e de direitos humanos da guerra às drogas. O CESeC disponibilizou as três etapas:

  1. Primeira etapa - Um tiro no pé: estimou o custo de implementação da Lei de Drogas (Lei 11.343/06) nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, além de analisar os trabalhos da Polícia Civil, Polícia Militar, Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública da União e dos Sistemas Penitenciário e Socioeducativo. O relatório demonstrou que os recursos destinavam-se ao encarceramento da população preta, pobre e periférica, ao invés de aplicar a inibição de venda e consumo das drogas.
  2. Segunda etapa - Tiros no futuro: buscou compreender o impacto de tiroteios rotineiros na aprendizagem das crianças. A pesquisa revelou que as operações policiais nas áreas estudadas resultavam na queda brutal do rendimento na educação – alunos do 5º ano do ensino fundamental perderam todo o aprendizado esperado em Matemática e metade de Língua Portuguesa.

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