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IBGE faz mudança histórica e número de indígenas autodeclarados cresce no Brasil

Entender as subjetividades dos povos das florestas foi fundamental para o resultado. Em Uiramutã, Roraima, apenas 3% da população não se declara como indígena.

Indígena Yanomami.Créditos: Ricardo Stuckert/PR
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Dados recém divulgados sobre o recenseamento de povos indígenas realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, mostraram que o número de indígenas autodeclarados cresceu e hoje representa 83% da população brasileira, um salto de novecentas mil pessoas para um milhão e setecentas mil. Nesta última pesquisa, o levantamento foi realizado em áreas rurais e urbanas em todas as regiões do país e contou com uma inovação na metodologia da coleta de dados. 

Embora de 2010, ano  do último censo, até hoje poucas políticas públicas de incentivo à cultura e valorização de terras indígenas tenham sido criadas, houve um movimento de empoderamento coletivo iniciado há muito tempo por representantes da luta civil e órgãos oficiais de defesa das tradições dos povos da floresta e que ganhou força nas redes sociais e maior espaço de debate em programas de entretenimento da TV aberta. 

José Eustáquio Diniz Alves, sociólogo, economista e doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), explica em entrevista ao Fórum Café, que a aproximação do órgão recenseador com as comunidades indígenas e órgãos oficiais como a FUNAI, foi fundamental para entender as subjetividade dessas pessoas e medir, de maneira mais adequada, o retrato dos povos indígenas no Brasil atual. 

“O IBGE tentou georreferenciar todas essas especificidades que existem nessas comunidades e ampliou não só o quesito terra como um espaço demarcado, mas o conceito sobre o que se entende por localidade indígena”, diz. 

Desde 2010 a pergunta de autodeclaração “Você se considera indígena?” era aplicada pelo recenseador apenas em territórios oficiais, delimitados e formalizados por órgãos oficiais, ignorando assim, integrantes indígenas que viviam em outras localidades.  A novidade, segundo Eustáquio, é justamente a aplicação do questionário em áreas não oficiais, como os centros urbanos e as metrópoles.

Com isso, além das terras oficiais, o IBGE, agora considerada outras duas modalidades de assentamento, a primeira, são os agrupamentos indígenas - estabelecido por um conjunto de quinze ou mais indivíduos indígenas, em uma ou mais moradias, espacialmente contíguas (próximos uns dos outros), vinculados por laços familiares ou comunitários.

A segunda, refere-se a outras localidades indígenas, que aqui se classifica como uma ocupação domiciliar, dispersa em áreas urbanas ou rurais, localizadas no entorno de terras e agrupamentos, com ocupação definida ou com uma potencial ocupação indígena.  

Com a alteração, pôde-se evidenciar que o Brasil, território indígena, é habitado integralmente por povos das florestas e resultado das ações afirmativas integradas ao novo modelo de coleta de informações pelo IBGE, é o crescimento do resgate da identidade de toda uma nação brasileira. 

A aplicação da pergunta de autodeclaração em territórios extra-oficiais permitiu que muitos indígenas se autodeclarassem pela primeira vez, como é o caso da Elenice Assis do Nascimento, técnica florestal  que se reconheceu como pessoa indígena aos 47 anos de idade.

“Quando o Mauro (Lopes) contou no programa (Fórum Café) sobre os dados da população indígena eu fiquei muito feliz! Justamente no ano em que me autodeclarei indígena... Eu pensei: Eu ajudei nessa mudança”, relata. 

Elenice, ou Kika, como gosta de ser chamada, mora no município de Tefé, no Amazonas, território que (também graças a ela) agora concentra vinte mil trezentos e noventa e quatro indígenas e conta que descobriu sobre a possibilidade da autodeclaração em janeiro deste ano, durante uma conversa com uma amiga socióloga. 

“Nesse dia falamos sobre etnias indígenas. Minha amiga se reconhece pertencente ao povo Saterê há alguns anos, enquanto eu sempre me reconheci como parda. Então, quando teve a entrevista do censo desse ano eu me autodeclarei indígena”, conta.

Ela revela ainda que até os quatorze anos, não tinha proximidade com a cultura indígena, apesar de ter nascido e vivido com a família em Manaus. Foi no festival de Parintins, uma das festas mais representativas do folclore brasileiro, onde ela se identificou como semelhante àqueles indígenas e suas culturas encenadas no Boi Garantido. 

“A cada ano fui me sentindo mais indígena. O Boi trouxe a valorização das etnias e o índigena passou a ser bonito e reconhecido. Foi uma libertação do preconceito vivido na infância”, avalia a técnica.

O Governo Federal lançou neste ano, também pela primeira vez na história que tem suas bases e raízes nos povos originários, o Ministério dos Povos indígenas, presidido pela ativista Sônia Guajajara, e que tem por finalidade a garantia dos direitos à população indigena, bem como o acesso à saúde, educação, demarcação de terras e combate ao genocídio. Um avanço em épocas de devastação ambiental e extermínio de comunidades inteiras causadas pelo desmatamento ilegal e exploração de garimpo clandestinos. 

O professor José Eustáquio reitera que, apesar da constatação de povos indígenas em várias regiões do país, ainda falta a criação de políticas de reconhecimento destas propriedades e a demarcação desses espaços, a fim de estabelecer a proteção da identidade de 63,27% destes 1.700.000 indígenas que vivem fora de territórios oficializados.

Assim como Kika, muitos outros atuam ativamente na busca pela reconstrução da história de um Brasil que ficou subjugado por tempo demais. “Descobri que sou descendente dos Ticunas, aqui da região do médio/alto Solimões. Hoje só tenho orgulho da minha raça e etnia” finaliza Kika de Tefé no Amazonas.