A Bancada Feminista do PSOL na Câmara Municipal de São Paulo, mandato coletivo que é representado institucionalmente pela vereadora Silvia Ferraro, protocolou junto à Justiça paulista, nesta sexta-feira (24), uma ação em que pede medida cautelar contra o Lollapalooza, um dos maiores festivais de música do mundo que reunirá ao longo deste final de semana no Autódromo de Interlagos, Zona Sul da capital, artistas de sucesso nacionais e internacionais.
Na peça jurídica, o mandato coletivo pede para que a Justiça proíba a Time For Fun (T4F), empresa que produz o Lolla no Brasil, de realizar novas edições do festival no país diante do novo flagrante de trabalho análogo à escravidão na montagem e preparação do megaevento, cujo ingresso pode chegar a custar mais de R$ 5 mil.
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Na última terça-feira (21), uma operação realizada por auditores da Superintendência Regional do Trabalho no Estado de São Paulo, órgão ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego, resgatou 5 trabalhadores em condições análogas à escravidão no Autódromo de Interlagos.
Segundo depoimento dos próprios trabalhadores, eles atuavam como carregadores de caixas de bebidas e eram obrigados a enfrentar jornadas de 12 horas diárias em situação degradante, tendo que dormir no local sob a ameaça de serem demitidos caso voltassem para suas casas. "Depois de levar engradados e caixas pra lá e pra cá, a gente ainda era obrigado pela chefia a ficar na tenda de depósito, dormindo em cima de papelão e dos paletes, para vigiar a carga", disse um dos resgatados ao site Repórter Brasil.
"Com idade entre 22 e 29 anos, eles não tinham dignidade alguma, dormiam dentro de uma tenda de lona aberta e se acomodavam no chão. Não recebiam papel higiênico, colchão, equipamento de proteção, nada", detalhou, por sua vez, Rafael Brisque Neiva, um dos auditores que participaram da operação de resgate.
Os trabalhadores prestavam serviços para a Yellow Stripe, empresa terceirizada contratada pela T4F, que organiza o Lollapalooza no Brasil. Em nota, a organização do festival informou que, após a constatação do ocorrido a partir da operação de resgate, a T4F encerrou "imediatamente a relação jurídica estabelecida com a Yellow Stripe". "A T4F considera este um fato isolado, o repudia veementemente e seguirá com uma postura forte diante de qualquer descumprimento de regras pelas empresas terceirizadas", diz a produtora em nota [leia a íntegra ao final desta matéria].
Acontece que esta não é a primeira vez que há registros de trabalho análogo à escravidão no festival. Em 2018, a produtora foi denunciada por utilizar mão de obra de pessoas em situação de rua, sem qualquer formalização contratual, submetendo-as a condições degradantes. Esses trabalhadores recebiam entre R$ 40 e R$ 50 por uma jornada de 12 horas. Já em 2019, o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo (Sated-SP) apresentou denúncia ao Ministério Público do Trabalho para que fosse investigada a mesma situação. Em 2022, o Padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua, fez a mesma denúncia, apontando que as pessoas em condição de vulnerabilidade eram "contratadas" para trabalhos exaustivos em troca de refeições ou baixa remuneração.
Medida cautelar
Diante do fato de que as denúncias de trabalho análogo à escravidão na montagem do Lollapaloza se repetem ano a ano, a Bancada Feminista do PSOL na Câmara Municipal de São Paulo pediu à Justiça para que a Time For Fun (T4F) seja proibida de realizar novas edições do festival no Brasil até que a produtora "demonstre ter reparado o dano causado pelo uso de trabalho análogo ao escravo – bem como comprove estar atuando para impedir a reincidência destes fatos".
Sobre a justificativa da T4F, que alega ter encerrado o contrato com a empresa terceirizada responsável pela "contratação" dos trabalhadores, o texto da ação destaca que a medida cautelar se faz necessária pois o Decreto Presidencial n. 9.571/2018 “sepulta de morte as pífias teses defensivas destas empresas – a exemplo da ré – de esquivar-se da responsabilidade sob a narrativa de culpa exclusiva das empresas terceirizadas, o que, conforme denota-se, não encontra guarida na Lei, visto que, a exemplo da acima mencionada, gera a obrigação de realizar o que chama-se de ‘duo dilligence’, ou seja, a devida diligência em fiscalizar os contratos que firma perante terceiros”.
"Principalmente ante as reiteradas condutas e a despeito de até mesmo de aconselhamento e acompanhamento dos órgãos fiscalizadores, a única maneira de se assegurar tais direitos constitucionais e defender a moralidade administrativa, é para que, em caráter antecedente, este Juízo determine a proibição da realização de eventos futuros sob a mesma denominação 'Lollapalooza', ou por festivais e eventos realizados pela mesma empresa ré, ou ainda por qualquer outra empresa com identidade de sócios, no Município de São Paulo", diz trecho da peça jurídica.
Para a vereadora Silvia Ferraro, que representa o mandato coletivo do PSOL ao lado das covereadoras Natália Chaves e Dafne Sena, chama a atenção o fato do festival ter recebido denúncias em várias de suas edições sem alteração de suas práticas.
“Estamos tratando de uma luta contra a impunidade, pois a produtora do festival têm repetido práticas de trabalho análogo à escravidão e a municipalidade apenas responde com comemorações ao Lollapalooza na cidade”, disse a parlamentar à Fórum.
Primeiras reações à nova denúncia
Tanto a Time For Fun quando a Yellow Stripe foram notificadas e devem ser responsabilizadas judicialmente. Após o resgate, a organizadora do evento e a terceirizada foram obrigadas a ressarcir os trabalhadores em R$ 10 mil, que incluem salários devidos, verbas rescisórias e horas extras, sendo que o valor pode aumentar caso o Ministério Público do Trabalho (MPT) entre com ação por verbas indenizatórias.
Na noite desta quinta-feira (23), a Animalchef, famosa empresa de food service que produz hambúrgueres veganos, anunciou que não participará mais do festival diante do caso de trabalho análogo à escravidão.
A hamburgueria forneceria lanches no backstage do evento, mas decidiu romper o contrato "por questões de princípios e coerência". A base dos sanduíches para o festival já tinha sido preparada e, diante do ocorrido, a empresa fará promoção e os venderá a R$ 20 em sua unidade na Rua Augusta, na capital paulista.
Confira abaixo a nota da organizadora do Lollapalooza sobre a operação e comunicado do Ministério Público do Trabalho sobre o caso
Nota do Lollapalooza
"Para realizar um evento do tamanho do Lollapalooza Brasil, que ocupa 600 mil metros quadrados no Autódromo de Interlagos e tem a estimativa de receber um público de 100 mil pessoas por dia, o evento conta com equipes que atuam em diferentes frentes de trabalho, em departamentos que variam da comunicação a operação de alimentos e bebidas, da montagem dos palcos a limpeza do espaço e a segurança.
São mais de 9 mil pessoas que trabalham diretamente no local do evento e são contratadas mais de 170 empresas prestadoras de serviços. A T4F, responsável pela organização do Lollapalooza Brasil, tem como prioridade que todas pessoas envolvidas no evento tenham as devidas condições de trabalho garantidas e, portanto, exige que todas as empresas prestadoras de serviço façam o mesmo.
Nesta semana, durante uma fiscalização do Ministério do Trabalho no Autódromo de Interlagos, foram identificados 5 profissionais da Yellow Stripe (empresa terceirizada responsável pela operação dos bares do Lollapalooza Brasil), que, na visão dos auditores, se enquadrariam em trabalho análogo à escravidão. Os mesmos trabalharam durante 5 dias dentro do Autódromo de Interlagos e, segundo apurado pelos auditores, dormiram no local de trabalho, algo que é terminantemente proibido pela T4F.
Diante desta constatação, a T4F encerrou imediatamente a relação jurídica estabelecida com a Yellow Stripe e se certificou que todos os direitos dos 5 trabalhadores envolvidos fossem garantidos de acordo com as diretrizes dos auditores do Ministério do Trabalho. A T4F considera este um fato isolado, o repudia veementemente e seguirá com uma postura forte diante de qualquer descumprimento de regras pelas empresas terceirizadas"
Nota do MPT
"O Ministério Público do Trabalho em São Paulo informa que na noite de ontem, 22/3, abriu procedimento para investigar caso de trabalho degradante na preparação do Festival Lollapalooza.
Na tarde de hoje houve a primeira audiência com as partes envolvidas e amanhã haverá outra. O procurador oficiante espera formar convencimento a partir das provas e dos depoimentos para decidir o caminho da atuação.
O MPT ressalta que os trabalhadores resgatados pela fiscalização do Trabalho na noite de ontem já tiveram suas situações regularizadas e receberam as verbas rescisórias e horas extras em atuação da Superintendência Regional do Trabalho no Estado de São Paulo, órgão ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego"