TRABALHO ESCRAVO

Capataz armado com camiseta de Bolsonaro reprimia escravizados na colheita de uva

Casos de trabalho análogo à escravidão dispararam no RS, explicou ao Fórum Onze e Meia o coordenador de combate a esse crime da Superintendência Regional do Trabalho, Henrique Mandagará

Imagem ilustrativa.Créditos: CNJ/Reprodução
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Em geral, segundo Henrique Mandagará, coordenador do projeto de combate ao trabalho escravo da Superintendência Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, o Ministério de Trabalho fazia de 20 a 30 autuações anuais relacionadas a esse crime no estado. Porém, em 2021, foram registrados 69 casos e em 2022, 156, um aumento superior a 120%.

Em 2023, o recorde já foi batido, depois que 207 pessoas foram resgatadas na sede da Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde, empresa terceirizada que servia às fabricantes de suco de uva e vinho de Novo Hamburgo.

O dono da Fênix, o baiano Pedro Augusto de Oliveira Santana, de 45 anos, que é de Valente, no interior da Bahia, foi solto depois de pagar fiança de R$ 39 mil. A Fórum apurou que os trabalhadores foram recrutados através de grupos de Whatsapp, convites de parentes e pessoas que já haviam trabalhado na colheita.

Henrique Mandagará, o fiscal do trabalho ouvido pela Fórum, atribuiu o aumento no número de flagrantes à maior consciência das pessoas que são vítimas ou fazem denúncias ao Ministério do Trabalho.

Para o deputado estadual Leonel Radde (PT-RS), no entanto, a origem de tantos casos está na terceirização irrestrita adotada após a reforma trabalhista do governo de Michel Temer.

“Essa terceirização irrestrita fortaleceu essa lógica de pessoas contratadas para contratar terceiros”, disse o deputado, numa referência aos intermediários conhecidos como “gatos”.

O Rio Grande do Sul é destino de milhares de trabalhadores que fazem contratos de curto prazo para as colheitas de maçã e uva.

Em 2022, 80 dos resgatados pelo Ministério do Trabalho atuavam na colheita de maçã nos chamados Campos de Cima da Serra.

De acordo com Mandagará, os trabalhadores baianos resgatados já voltaram às suas cidades de origem. Receberam R$ 1,1 milhão em verbas indenizatórias.

Alguns deles denunciaram que foram reprimidos com gás pimenta e choques de pistola taser. “O alojamento tinha câmeras, era tudo monitorado. Se reclamasse de alguma coisa, espancavam a pessoa”, afirmou um.

Agora, o Ministério do Trabalho apura qual é a responsabilidade das empresas contratantes da terceirizada.

O Maranhão e a Bahia responderam por 55% dos migrantes resgatados nas colheitas de uva e maçã no Rio Grande do Sul no ano passado. Paraná, São Paulo e Paraíba também fornecem mão-de-obra.

“Não contratem mais gente lá de cima”, disse o vereador Sandro Fantinel (Patriotas), de Caxias do Sul, dando um conselho aos produtores e fazendo referência à origem dos trabalhadores nordestinos.

Jair Bolsonaro venceu em Caxias com 66,43% dos votos no segundo turno das eleições de 2022. Em Novo Hamburgo, sede das vinícolas, o candidato da extrema-direita teve 68,46% dos votos.

“Temos quer botar eles em um hotel cinco estrelas pra não ter problema com o Ministério do Trabalho?”, perguntou o vereador em discurso na Câmara local.

De acordo com Mandagará, do Ministério do Trabalho, 74% dos resgatados no ano passado eram negros e pardos.

Um homem branco de Assis, no interior de São Paulo, atribui à sua cor de pele o fato de ter sido escolhido para vigiar os colegas de trabalho na colheita. Ele contou que receberia R$ 4 mil por 70 dias de trabalho, das 5h às 22h.

Vitor Hugo Abreu disse ao repórter Luciano Velleda, do Sul21, que sua tarefa era dedurar quem não trabalhava. Quando procurou orientação sobre como proceder, foi instruído a informar um homem que usava uma arma na cintura. O capataz, segundo Vitor, estava vestido com uma camiseta com o rosto do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Assista à edição do Fórum Onze e Meia desta quarta (1°) com a entrevista de Mandagará: