DIREITO

Fotos de vítimas de abusos de biquini viram “tática” de advogados de estupradores

Crescem os casos em que defensores tentam usar “argumento moral” para livrar clientes da cadeia, conduta denunciada por advogadas especializadas em direitos das mulheres

Imagem ilustrativa.Créditos: Pixabay Free
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Advogadas que atuam na área de defesa dos direitos das mulheres vêm denunciando o aumento de casos em que advogados de réus acusados de estupro, de outros crimes de caráter sexual e de violência doméstica usam fotos das vítimas de biquini, ou em trajes íntimos, para tentar “desqualificar moralmente” essas mulheres que foram alvos de violência.

As profissionais denunciam que tal procedimento configura também violência simbólica e que, na prática, tal conduta configura-se como assédio judicial eivado do que classificam como “traços de violência de gênero”.

“É uma estratégia de descredibilizar a vítima a partir de uma lógica de duplo padrão moral, em que a mulher, a partir do momento em que se situa na dicotomia entre santa e promíscua, qualquer coisa que ela tenha a dizer tem menos credibilidade. Nada tem a ver com os fatos em discussão”, explica a advogada especialista em direitos das mulheres Maira Pinheiro, em entrevista ao portal g1.

“A finalidade argumentativa dessas fotos era dizer que a vítima não parecia suficientemente triste, deprimida, com estresse pós-traumático por ter postado fotos de biquíni”, completa Maira.

Também atuando no mesmo ramo, a advogada Ana Paula Braga afirma que é necessário que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) atue estabelecendo que essa postura por parte dos defensores é abusiva e não apenas um procedimento comum na conduta de advogados em defesa de seus clientes. Ela diz que a OAB não estabeleceria a atitude como “abuso de prerrogativa de defesa” por ser resistente em admitir o problema.

“Tem que fortalecer institucionalmente para que a OAB também oriente os advogados, faça essa capacitação em gênero para que esse tipo de postura não seja mais adotado e visto como natural e permissivo, porque o direito de defesa é amplo, mas não é absoluto”, opina Ana Paula Braga.

Comparando o “método” que põe em xeque a “moral” das vítimas de crimes sexuais ou de violência de gênero, a advogada Maira Pinheiro cita um comportamento que era usado a até pouco tempo e que, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), passou não só a ser visto oficialmente como antiético, mas também como ilegal.

“Assim como o Supremo Tribunal Federal proibiu o uso da legítima defesa da honra em casos de feminicídio enquanto tese de defesa legítima no júri, certas estratégias que configuram violência simbólica deveriam ser vedadas e sujeitas a sanções éticas. Entendo que há litigância de má-fé, mas nunca vi ninguém ser multado por isso”, argumenta Maira.

Essa também é a posição da promotora de Justiça de Enfrentamento à Violência contra a Mulher do Ministério Público de São Paulo, Silvia Chakian, que entende ser absolutamente inadmissível que advogados venham empregando tais procedimentos na “defesa” de seus clientes.

“É um absurdo, não pode ser admitido. É uma forma de violência institucional. No processo penal, o réu tem direito à defesa, mas essa defesa não é ilimitada. O limite é a dignidade dessas mulheres e precisa ser respeitado”, diz a promotora.