SEGURANÇA NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO

Exclusivo: MEC elabora relatório com pesquisas e soluções para reverter ataques às escolas

Professor Daniel Cara é o responsável pela relatoria de comissão que contou com trabalho de diversos especialistas em violência no ambiente escolar

Grupo de Trabalho do Ministério da Educação propõe ações de combate ao uso de armas e ao extremismo para mitigar os ataques às instituições de ensino.Créditos: Senado Federal/Wikimedia Commons
Escrito en BRASIL el

O documento “Ataques às escolas no Brasil: análise do fenômeno e recomendações para a ação governamental” foi produzido por um Grupo de Trabalho composto por especialistas em violência nas escolas em uma comissão designada pelo Ministério da Educação (MEC) este ano. Documento será divulgado nesta sexta-feira (3).

Nele, são apresentados análises e dados alarmantes sobre os atentados que vem ocorrendo em escolas ao redor do país. Além disso, propõe soluções para a ação governamental e para a formulação de políticas públicas, um dos objetivos do relatório. O responsável pela relatoria da comissão foi Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

“O texto foi sendo aprimorado, passando pelas versões dois a cinco. O quinto e último rascunho foi apresentado à equipe do Ministério da Educação no início de outubro, resultando neste documento, após incorporação das sugestões deste órgão [MEC]. Ao todo, este documento é fruto da sistematização de 2.108 colaborações”, descreve Cara em uma parte do documento.

Conforme é apresentado no texto de mais de 140 páginas, houve um aumento de mais de 100% no número de ataques, que passaram de sete para 16 casos no período entre 2022 e 2023.  Os ataques a escolas no Brasil fizeram 164 vítimas, com 49 casos fatais e 115 feridos. Entre os atentados, 16 envolveram o uso de armas de fogo como principal meio, 16 utilizaram armas brancas e quatro envolveram outros tipos de armamento. 

A predominância da letalidade nas ocorrências com armas de fogo é significativamente mais alta, abarcando 38 entre as 49 mortes, ou seja, 77,55% do conjunto. Enquanto isso, armas brancas resultaram em 11 óbitos, equivalentes a 22,45% do total.  Outros objetos empregados nos ataques não resultaram em fatalidades

Já entre as 37 instituições de ensino atingidas, 30 são de caráter público, divididas em 14 de gestão municipal e 16 estaduais, enquanto sete são de ensino privados.

Soluções apresentadas

Conforme indicado no relatório, são mais de dez medidas de caráter urgente que o governo brasileiro deve adotar para prevenir os ataques escolares. Veja a seguir:

  1. Desmembrar e enfrentar a formação e a atuação de subcomunidades de ódio e extremismo, inclusive com ações de apoio aos jovens que são cooptados por esses grupos; promover a cultura de paz; 
  2. Implementar um controle rigoroso sobre a venda, o porte e o uso de armas de fogo e munições; e desenvolver ações para monitorar clubes de tiros e similares, inclusive proibindo o acesso de crianças e adolescentes a armas e a tais espaços;
  3. Responsabilizar as plataformas digitais sobre a circulação de conteúdo extremista e ilegal;
  4. Responsabilizar as pessoas que compartilham vídeos de ataques e informações sobre os autores;
  5. Atualizar as leis sobre crimes de ódio (Lei nº 7.716/1989) e bullying (13.185/2015);
  6. Regulamentar e implementar o Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas - SNAVE (Lei 14.643/2023) e a Lei 14.644/2023, sobre a instituição de Conselhos Escolares e de Fóruns de Conselhos Escolares;
  7. Melhorar a convivência e o ambiente de acolhimento nas instituições educacionais brasileiras, inclusive garantindo boa infraestrutura física e um espaço de interrelações dialógicas e inclusivas, com ênfase na gestão democrática, na promoção da convivência democrática e cidadã, e na resolução pacífica de conflitos;
  8. Garantir que as escolas possam funcionar a partir das determinações constitucionais e legais, com profissionais da educação valorizados, com adequadas formações inicial e continuada (inclusive sobre o tema em questão), e boas condições de trabalho;
  9. Promover políticas de saúde mental nas escolas, aumentando os investimentos na expansão e no fortalecimento da rede de atenção psicossocial, promovendo a saúde mental dos estudantes e dos profissionais da educação;
  10. Expandir espaços comunitários destinados ao lazer, à socialização, aos esportes e à cultura;
  11. Elaborar diretrizes, orientações e protocolos adequados à realidade brasileira para atuação após os ataques;
  12. Acordar com os veículos de comunicação e plataformas digitais protocolos sobre a cobertura dos casos de violências nas escolas e contra as escolas, evitando o estímulo a novos ataques, por meio do efeito contágio ou efeito de onda; 
  13. Ampliar e aperfeiçoar o setor de inteligência sobre os crimes de ódio, além de estabelecer ações.

Além dessas medidas, o documento dispõe de algumas propostas de enfrentamento com base em regulações normativas e legais, como:

  • Regulamentar o Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas (SNAVE);
  • Criar Comissões de Proteção e Segurança Escolar (públicas e privadas) em escolas e articulá-las ao SNAVE;
  • Atualizar as leis sobre crimes de ódio (Lei nº 7.716/1989) e bullying (13.185/2015);
  • Regular e estabelecer políticas de moderação das redes e mídias sociais com relação a conteúdos que violam direitos humanos, integrando esforços multissetoriais que envolvam também as empresas proprietárias.

O GT, instituído em resposta ao trágico ataque em uma creche em 5 de abril - resultando na morte de quatro crianças; é formado por Daniel Cara, juntamente com a participação de Zara Tripodi, secretária da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão; e Yann Evanovick, coordenador-geral de Políticas para a Juventude da Secadi, órgão vinculado ao Ministério da Educação.

Uma das principais especialistas em estudos sobre violência nas escolas, Miriam Abramovay, também esteve presente na comissão e Andressa Pellanda, renomada cientista política, educadora popular e coordenadora-geral da Campanha Pelo Direito à Educação, além de outros colaboradores.