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PM mantinha pessoas em situação de rua sob agressões e toque de recolher há 7 meses em Itajaí (SC)

Fórum obteve áudios, vídeos e relatos exclusivos que mostram violência e até mesmo tortura contra pessoas em situação de rua antes da expulsão absurda da cidade realizada por policiais militares

Pessoas em situação de rua dormem em Balneário Camboriú após serem expulsas de Itajaí pela PM.Créditos: Foto: Prefeitura de Balneário Camboriú
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A Polícia Militar em Itajaí (SC) mantinha as 40 pessoas em situação de rua que foram expulsas da cidade na última terça-feira (31) sob um regime de toque de recolher clandestino a partir das 22h desde, pelo menos, abril deste ano. 

Neste horário, conforme apurou a Fórum com algumas das vítimas desses ataques e com servidores municipais que fazem o atendimento dessa população, os policiais se dirigiam a qualquer que fosse o local onde estivessem as pessoas em condição de rua e as levavam compulsoriamente até a chamada favela do Matadouro.

Trata-se de um área afastada de qualquer urbanização, aos pés de um morro, atrás do campus universitário da Univali (Universidade do Vale do Itajaí). Lá, elas eram agredidas e, em mais de uma oportunidade, tiveram seus pertences queimados por membros da Guarda Civil Metropolitana da cidade. 

Na última terça-feira (31), a imprensa de todo país exibiu os vídeos que mostram cerca de 40 pessoas em situação de rua sendo expulsas da cidade de Itajaí por policiais militares em suas viaturas. Elas foram “escoltadas” pela estrada até deixarem os limites da cidade, sendo deixados na entrada do município vizinho de Balneário Camboriú.

O áudio reproduzido abaixo é de um dos moradores de rua que escapou ao cerco policial desta terça. Ele narrou o que viu sob condição de anonimato. Conta que trabalha com reciclagem e que seus colegas “carrinheiros” vêm sofrendo violências desse tipo desde o ano passado.

Ele afirma também que viu os policiais utilizando spray de pimenta contra os catadores e que ouviu três tiros sendo disparados. Além disso, narra que os policiais se declaram os "novos comandantes" do Morro do Matadouro.

Ouça: 

Em nota, o comando do 1º Batalhão da Polícia Militar em Itajaí confirma a operação contra pessoas em situação de rua na madrugada desta terça-feira, afirmando que se tratou de uma ação clandestina

De acordo com o comandante do Batalhão, tenente-coronel Ciro Adriano da Silva, não se tratou de uma operação oficial da PM-SC, tendo sido feita “à revelia do Comando”. 

Na realidade, porém, fato é que as autoridades policiais já sabiam o que estava ocorrendo desde abril. Isso porque o toque de recolher clandestino e as agressões sistemáticas por parte dos policiais já tinham sido levadas ao conhecimento do comando da PM, de autoridades municipais, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado. Os fatos foram narrados por servidores do município que trabalham no atendimento à população de rua, e que falaram com a Fórum sob condição de anonimato, temendo retaliações.

No dia 20 de abril deste ano, a promotora Letícia Vinotti da Silva recebeu a primeira denúncia. Já no dia 1º de agosto, foi solicitada abertura de procedimento investigativo junto à Defensoria Pública. No dia 18 do mesmo mês, os denunciantes foram recebidos pelos defensores, narraram o que vinha ocorrendo e apresentaram os indícios que possuíam.

Entre eles está o áudio abaixo, gravado no dia 8 de agosto. É de uma pessoa em situação de rua e usuária de drogas. Ela narra a rotina de agressões e toque de recolher a que os moradores são submetidos. “Nós somos tratados como bicho. Por quê?”, indaga a mulher.

Ouça:

Maçarico com spray de pimenta e queima de pertences

Uma servidora ouvida pela Fórum dá conta do relato de um morador de rua a respeito de uma tortura a que foi submetido há três semanas: 

“Ele chegou aqui (em um posto de atendimento) cheio de queimaduras. Acabou nos contando, mas sem deixar tirar foto nem querer dar o nome, que a sua perna estava daquele jeito porque um policial utilizou um isqueiro para transformar o seu spray de pimenta em uma espécie de maçarico. Nós dissemos a ele que aquilo constituía tortura, e oferecemos de levar a denúncia às autoridades. Mas ele não quis saber, tinha muito medo, e disse que aquilo não era nada perto do que já tinha visto e vivido”.

As autoridades também já receberam vídeos e fotos do que seria a queima de objetos dos moradores de rua por parte de agentes da Guarda Civil Metropolitana. A Fórum teve acesso a esses imagens com exclusividade.

O vídeo abaixo foi gravado pelos denunciantes à distância, evitando serem vistos pelos guardas. É possível ver a fumaça gerada pela queima dos pertences e as viaturas da GCM, na bairro do Matadouro. Também é possível ouvir um morador de rua contando que os guardas “chegam e chutam nossa comida toda”.

Assista:

Já o vídeo abaixo foi gravado no dia 26 de julho deste ano. A denunciante exibe o lugar da queima dos objetos, e explica que a ação da GCM é feita em parceria com a Polícia Militar.

Assista: 

A Fórum procurou a Prefeitura de Itajaí e questionou sobre a conduta denunciada de seus guardas metropolitanos. Até a publicação desta reportagem, contudo, não havia qualquer resposta.

Já a Polícia Militar de Santa Catarina afirma que as ações ocorridas contra as pessoas em situação de rua foram ilegais e que já foi instaurado um IPM (Inquérito Policial Militar)  para apurar as responsabilidades e punir os culpados.

Para Gerd Klotz, presidente do Diretório do PT de Itajaí, é inadmissível assistir “ao efetivo inteiro da PM que estava de plantão durante a noite na cidade com a 2ª maior economia do estado todo empenhado em maltratar, bater e depois escoltar para outra cidade 40 moradores em situação de rua. Isso precisa ser explicado. Com a palavra, e que se explique, o governador Jorginho Mello!”

Ele afirma ainda que o PT vai "cobrar que as autoridades adotem as medidas necessárias para esclarecer os fatos, revelar os responsáveis e puni-los na forma da lei".