TRAGÉDIA ANUNCIADA

Fentanil: O quanto o Brasil está próximo do morticínio pela droga mais letal já criada

Estaríamos às portas de encarar o problema? Usado como potentíssimo analgésico, fármaco levou ao inferno os EUA, onde 300 pessoas morrem por dia por overdose da substância

Porção de fentanil apreendida nos EUA.Créditos: Página oficial da deputada dos EUA Nicole Malliotakis
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Uma epidemia, assim definem os especialistas. Os Estados Unidos da América, maior potência econômica do planeta, vivem há alguns anos um verdadeiro inferno por causa de um medicamento desenvolvido para ser apenas um potentíssimo analgésico para os casos de dor extrema, mas que se tornou uma substância de uso “recreativo” que levou a nação gigantesca ao maior morticínio de que se tem notícia até hoje por lá: mais de 300 óbitos por dia por overdose, o que equivale a 110 mil pessoas perdendo a vida todos os anos em decorrência do uso do entorpecente.

Classificado como um opioide sintético, o fentanil foi sintetizado pela primeira vez no final dos anos 50 pelo célebre cientista belga Paul Janssen, fundador da gigante Janssen Pharmaceutica, atualmente uma subsidiária da Johnson & Johnson. Já na década seguinte passou a ser fabricado para uso médico pelo laboratório, servindo como um formidável analgésico e também como um tipo de anestésico, empregado, sobretudo, anos depois, nas cirurgias toráxicas em que é necessária a paralisação da expansão dos pulmões, ocasião em que o paciente é ventilado mecanicamente para que os médicos realizem os procedimentos invasivos.

Até 2010, quando os EUA registravam aproximadamente 40 mil mortes por overdose por ano, somadas todas as drogas, aproximadamente 3 mil delas eram pelo uso ilícito do fentanil, que em nada se aproxima da composição das doses produzidas pela indústria farmacêutica. No caso dessas substâncias vendidas por traficantes, a carga do produto confeccionado de maneira “porca” e sem parâmetros vem dos cartéis mexicanos, que o produzem utilizando insumos ilegais provenientes da China. A situação atual é de emergência na nação norte-americana, com cidadãos caindo no meio da rua e entrando em processo de overdose diante dos olhos de todos, diariamente, e deixando um rastro de mais de 100 mil mortes a cada doze meses.

Mas e no Brasil, um país que sofre com uma verdadeira epidemia de crack e das chamadas “drogas k”, já há fentanil disponível para usuários? A resposta é sim e não, a depender do contexto interpretativo envolvendo a questão.

O fentanil não está em cada esquina brasileira onde se vendem entorpecentes, as chamadas “biqueiras”. No entanto, apreensões realizadas pelas forças de segurança nos últimos meses indicam que a substância já circula pelo país e talvez a sua utilização como entorpecente esteja sendo levada a cabo sem que o consumidor de narcóticos tenha conhecimento. E então você pode estar se perguntando: mas como assim?

As autoridades acreditam que o fentanil possa estar sendo adicionado a outros entorpecentes, já que tem uma ação viciante muito forte. Como provoca euforia e sensações relativamente semelhantes aos de outras drogas, como as chamas “k”, o fármaco ilegal poderia ser acrescentado às doses vendidas ao usuário para potencializar os efeitos da droga comprada, o que daria uma reputação de “produto de qualidade”, além de simultaneamente causar uma dependência mais acentuada de quem a usa. De qualquer forma, seguindo nessa marcha de apreensões, seria apenas uma questão de tempo para que o crime organizado daqui, em conexão com cartéis do México ou com organizações criminosas da China, também passem a disponibilizar o fentanil para venda direta aos seus “clientes”.

No Espírito Santo, estado onde as maiores apreensões da droga foram realizadas até agora, todas as cargas apreendidas eram do medicamento em sua forma profissional, ou seja, produzida por laboratórios farmacêuticos e destinada ao uso hospitalar como analgésico ou anestésico. A primeira apreensão foi em fevereiro e foram encontrados 31 frascos num laboratório caseiro localizado em Cariacica (ES).

Já em agosto, os policiais civis encontraram outros 41 frascos da substância, também de uso médico, num ponto de tráfico de grande porte da capital Vitória. E a coisa não parou por aí. No mesmo mês, outras 14 ampolas estavam sendo transportadas por uma mulher parada numa blitz na BR-101, na altura do município de Rio Novo do Sul, junto com outros entorpecentes.

As investigações realizadas pelas autoridades brasileiras mostraram até o momento que todos os lotes de fentanil apreendidos em território nacional eram provenientes de cargas destinadas a hospitais, e que foram desviadas pelo crime organizado. Em síntese, ainda não foram realizadas apreensões do fentanil produzido ilegalmente por cartéis do narcotráfico com insumos químicos chineses. No entanto, o monitoramento da circulação do fentanil segue no Brasil e a possibilidade de que o consumo da droga se alastre é grande, como já ocorre em outros países, e como ocorreu por aqui com as chamadas “drogas k”, que se popularizaram muito de poucos anos para cá.