PRECARIZAÇÃO E MORTE

Jovem teve conta excluída do Ifood por “má conduta” onze dias depois de morrer trabalhando

Entregadores registram contas alternativas para driblar bloqueios arbitrários, mas a prática parece ter sido transformada em drible da empresa no pagamento de direitos

Entregador trabalhando em São Paulo. Imagem ilustrativa, não representa Yuri de Souza Fontes, retratado na matéria. Créditos: NicoleLeslie2 / Wikimedia Commons
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Yuri de Souza Fontes tinha 24 anos no último dia 15 de maio, um domingo, e trabalhava como entregador da plataforma Ifood na hora do almoço, quando se acidentou e morreu. Sua família ficou sabendo apenas quando recebeu o vídeo de “um acidente” supostamente aleatório no celular e teve a infelicidade de reconhecer a placa da moto do jovem.

Desesperada, a família se dirigiu para a Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, onde havia ocorrido o acidente e acabou constatando o pior. O irmão de Yuri, Yago de Souza Fontes, de 29 anos,recentemente contou ao The Intercept Brasil que naquele momento começava “uma saga” para que a família tivesse acesso ao auxílio-funeral e ao seguro de vida inclusos na política da Ifood, mas até este 5 de setembro não receberam nada.

Mesmo com a empresa tendo divulgado menos de um mês antes do acidente quatro medidas de cobertura aos entregadores – que denominam como “parceiros” – a família ainda não teve acesso a nenhum valor e, ao tentar regularizar a situação de Yuri na plataforma após sua morte, viu sua conta ser excluída em 26 de maio.

As medias anunciadas pela plataforma incluiriam seguros sobre acidentes, morte, invalidez e lesões, além de um amparo específico para mulheres. Sobre mortes, o pacote enfatiza a promoção de um “programa de recomeço para famílias de vítimas” e auxílio-funeral de R$ 5 mil.

Procurado pela imprensa, o Ifood afirmou que o entregador usava uma conta em que parte dos dados eram atribuídos à terceiros e que por isso estaria violando a política da empresa. Dessa forma, inviabilizaria a cobertura dos seguros conforme protocolo do próprio Ifood e da seguradora MetLife. A empresa ainda afirmou que entrou em contato com a família assim que soube do acidente e lhes ofereceu atendimento psicológico.

A família nega a versão da empresa e afirma que a situação considerada “irregular” pelo Ifood é corriqueira no mundo dos entregadores, o que, na prática, dá a entender que pode estar livrando o Ifood do pagamento de outras coberturas semelhantes. Ela explica que é comum os jovens criarem perfis alternativos para driblar uma rotina de bloqueios arbitrários. Yuri teria criado uma conta com o CPF da namorada, porém com seu nome, foto e CNH em novembro de 2021. Ele teve a conta original bloqueada em 9 de maio, seis dias antes do acidente.

Geralmente os entregadores são bloqueados por conta de atrasos, se ficarem dias sem trabalhar ou se o receptor da entrega declarar que não a recebeu ou fizer outras reclamações. No caso de Yuri, a seguradora MetLife, terceirizada do Ifood para as coberturas aos entregadores, alegou que por conta da “irregularidade no cadastro”, não é possível que a família prove que ele estava a serviço. Já o Ifood afirmou que não pode fazer nada pela família e mandou-a acionar a própria MetLife.

O acidente de Yuri é investigado pela Polícia Civil. De acordo com Policiais Militares de uma base próxima ao ponto onde ele morreu, o entregador teria escorregado e caído sozinho. No entanto, colegas de trabalho que atuam na região denunciaram à família que ele teria sido atropelado e o motorista fugiu em seguida.

*Com informações do Intercept Brasil.