Na última sexta-feira (1), o Exército realizou no Colégio Militar do Rio de Janeiro uma atividade que contou com homens fardados, hasteamento da bandeira nazista da suástica e até mesmo a famigerada saudação a Adolf Hitler, com o braço direito esticado para o alto e a palma da mão estendida.
A cena macabra assustou alunos e professores. Desde o ocorrido, fotos e vídeos da bandeira nazista sendo hasteada no colégio vêm circulando de forma viral nas redes sociais.
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Após a repercussão do caso, o Exército informou, em nota, que as cenas são das comemorações do Dia da Infantaria na unidade de ensino e que se trata de uma "peça teatral ambientada no contexto da 2ª Guerra Mundial".
"O objetivo da peça artística era representar, de forma teatralizada, o fato histórico relativo à rendição incondicional da 148ª Divisão de Infantaria alemã, de elementos da Divisão Bersaglieri italiana e de remanescentes da 90ª Divisão Panzer Grenadier à 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (1ª DIE) Brasileira, ocorrida ao final do mês de abril de 1945, na cidade de Fornovo di Taro, na Itália", afirmam os militares.
O Exército diz, ainda, que "não houve qualquer apologia" ao nazismo e que "o sentido da encenação foi justamente o contrário, de reverenciar a memória de brasileiros que lutaram bravamente em solo europeu".
Extremamente perigoso
Para a antropóloga Adriana Dias, que há mais de 20 anos estuda o neonazismo no Brasil e é considerada uma das maiores especialistas no tema, "é muito complicado as pessoas ensinarem acerca do nazismo com representação factual". Segundo a especialista, adolescentes "não têm condições de discernir tão bem a respeito de um tema tão esmagador".
Adriana exemplifica lembrando o caso do estadunidense George Lincoln Rockwell, que era da Marinha dos EUA, lutou contra o nazismo na Segunda Guerra Mundial e, após o conflito, fundou o partido nazista norte-americano.
"Veja, era um adulto, que foi para a Segunda Guerra e voltou fundando o partido nazista americano. E com uma paixão por Hitler tão grande que sua lua de mel com a esposa foi no 'Ninho da Águia' de Hitler", disse à Fórum a antropóloga, em referência ao refúgio do líder nazista alemão nos alpes bávaros.
"Esse é um exemplo de quão despreparadas as pessoas estão para lidar com símbolos tão fortes. Expor adolescentes a esses símbolos e a essas expressões totalitárias é imensamente perigoso. Muitas pessoas têm usado essa configuração de metodologia para aprendizado e eu tenho sido sempre extremamente contra", prossegue Adriana Dias.
Segundo a especialista, no caso de filmes e séries que retratam o nazismo, há pesquisadores e até mesmo psicólogos envolvidos na produção. "Gente extremamente preparada na área do totalitarismo para dar uma experiência do perigo disso", pontua.
A pesquisadora chama a atenção para o caráter totalitário já presente em colégios militares e como isso pode se misturar com uma encenação com símbolos nazistas feita desta maneira.
"Nos colégios militares, onde o totalitarismo já existe, fica muito difícil para os adolescentes separarem os tipos de totalitarismos vivenciados. Inclusive porque ambos são profundamente nacionalistas e anticomunistas, por exemplo, para que eles possam perceber as diferenças. E muitos deles podem ser pegos depois por grupos neonazistas, exatamente por não ter conseguido elaborar as diferenças entre os grupos. Acho temerário, perigoso e desanimador que isso esteja acontecendo", alerta.
Professores não foram avisados, diz sindicato
O Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) divulgou uma nota, nesta quarta-feira (6), em que repudia a atividade do Exército com bandeira nazista no Colégio Militar do Rio de Janeiro.
No texto, a entidade denuncia que professores não foram avisados sobre a "encenação" e que o fato assustou a comunidade escolar.
“Se o objetivo era pedagógico, por que professores, entre eles integrantes da equipe de História, não foram consultados ou convidados a participarem do planejamento da atividade?”, questiona o sindicato, informando ainda que o colégio em questão já vetou, por exemplo, atividades que abordariam temáticas LGBT e de diversidade.
"Como pode a mesma instituição que se mostra tão reticente ao tratar de temas balizados por nossa legislação não demonstrar a mesma preocupação com tema tão sensível como o nazismo e o holocausto", indaga.