VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Mulher mata companheiro que ia estuprá-la e vai presa. Afinal, há crime nesses casos?

Moradora de Sete Lagoas (MG) foi detida em flagrante pelo delegado, mas jurista diz que ação deveria ser enquadrada como legítima defesa. MP terá que oferecer denúncia ou não, e Justiça determinará seu futuro

Foto ilustrativa.Créditos: Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso
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Uma mulher que alega ter matado seu companheiro depois de ser agredida por se recusar a fazer sexo com ele, que por conta da negativa teria tentado estuprá-la na sequência, foi presa em flagrante por homicídio pelo delegado que registrou a ocorrência. O caso, ocorrido na madrugada desta quarta-feira (6) em Sete Lagoas (MG), repercutiu em todo Brasil e reacendeu a discussão sobre existir crime em situações desse tipo, em que a mulher reage se protegendo de um crime sexual, o que é amplamente considerado legítima defesa, portanto, um excludente de ilicitude (não há conduta criminosa na reação).

A vítima conta que havia bebido e seu parceiro tinha usado drogas. Eles teriam mantido relações sexuais consensuais horas antes, mas o homem se tornou violento nos momentos que se seguiram e exigiu transar outra vez. Ela conta que rejeitou o convite e que então ele passou a agredi-la. Depois, tentou estuprá-la num dos cômodos da casa, enquanto o filho dela de 13 anos dormia em outro quarto. A mulher afirma que só teve tempo de pegar uma faca e dar um único golpe no peito do homem, que morreu no local. Ela mesma e o filho acionaram a polícia e o socorro médico.

Na hora de registrar a ocorrência no DP, o delegado que estava de plantão a prendeu em flagrante por homicídio e determinou seu recolhimento à cadeia, em vez de analisar a hipótese de uma reação em legítima defesa, já que a acusada estava sendo vítima de uma tentativa de estupro e reagiu com os meios possíveis, desferindo uma só facada no agressor, com quem se relacionava havia quatro anos.

O advogado Adriano Neves Lopes, que tem 18 anos de experiência na área criminal e já participou de mais de 200 júris, inclusive no caso Celso Daniel, prefeito assassinado de Santo André, diz que a atitude do delegado contraria o que é normal em situações desse tipo.

“Era uma agressão atual e evidente. Fica claro o excludente de ilicitude”, começa dizendo Lopes. Ele sinaliza que, a partir do momento em que a autoridade policial viu a mulher como autora de um crime, não seria possível não a prender. “Se o delegado não atesta esse excludente de ilicitude, como uma ação que foi em legítima defesa, ela será presa em flagrante e nesse caso é compulsório que ela seja levada à cadeia”, esclareceu.

Para ele, não é possível considerar que uma pessoa atemorizada com as investidas de um estuprador prestes a violentá-la agirá de outra forma que não seja usando os meios possíveis, neste caso, uma faca.

“Nós saímos de nosso lado racional para o irracional numa fração de segundos. Num caso desse tipo, é exatamente o que ocorre. Essa mulher estava sofrendo uma violência atroz e então ela usou dos meios necessários para repelir essa agressão. O que ocorre depois, se a outra pessoa morreu, ou sofreu apenas uma lesão corporal, é um outro fato, mas o natural aí seria o delegado de polícia que recebeu a ocorrência reconhecer o excludente de ilicitude. Alguns delegados não reconhecem isso e acabam deixando esse ‘abacaxi’ para o Judiciário e aí será o juiz quem decidirá”, explica o criminalista.

Ainda em relação à reação da mulher, Lopes diz ter quase certeza que, a partir de agora, o juiz considerará as coisas como de fato ocorreram e declarará a vítima inocente, já que ela apenas se defendeu, sequer encaminhando o caso para o tribunal do júri.

“Exigir racionalidade de uma vítima de um crime como o estupro, que reage dessa maneira e acaba provocando a morte de seu agressor, não é razoável. À luz do direito, uma situação nessas circunstâncias leva normalmente o juiz a absolver sumariamente a acusada, nem encaminhando o caso para o júri. Se o juiz reconhece a legítima defesa, ele põe fim àquela acusação e absolve sumariamente a mulher”, opinou.

Para o experiente advogado, o fato de ser um crime contra uma mulher, e de natureza sexual, também dá mais relevância ao contexto geral das decisões que serão tomadas daqui para frente.

“O fato de falarmos de um crime contra a mulher, que em nossa sociedade é vítima de um sem-número de violações e violências, também é algo que pesa. Se este caso virar um inquérito policial, o que possivelmente ocorrerá, os próprios promotores do Ministério Público podem pedir o arquivamento da ação penal, uma vez que todas as provas apresentadas devem favorecê-la”, finalizou o criminalista.