CORONAVÍRUS

Dois anos de pandemia: “O Brasil foi transformado em um corredor da morte”

Em março de 2020, a OMS decretava estado de pandemia e, desde então, o mundo vive entre a perplexidade diante do negacionismo e a esperança diante das vacinas

Créditos: Wikimedia Commons
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No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretava estado de pandemia. Até então, o mundo acompanhava com apreensão o avanço do coronavírus na China, especificamente em Wuhan, que foi isolada pelo governo chinês em janeiro de 2020, e, com tristeza, a forma devastadora com que o vírus se espalhava e matava na Itália. 


No entanto, em meados de março 2020 o então novo coronavírus já estava espalhado em todo o planeta e, em abril, quase toda a população mundial seria colocada em quarentena, pois, os pesquisadores descobriram que o coronavírus se espalhava pelas gotículas emitidas pelas pessoas e ainda não se sabia direito o que fazer para conter a propagação do vírus. 


Se por um lado a comunidade científica, médicos e enfermeiros, que estavam no fronte, corriam para entender o comportamento do vírus e pensar em ações não farmacológicas para conter o coronavírus, no outro lado, começavam as surgir os movimentos negacionistas que, em um primeiro momento negaram a existência do vírus e, posteriormente, a eficácia das vacinas. 


Passados dois anos, as vacinas chegaram e trouxeram um sopro de esperança à toda a população do mundo. Porém, até aqui a doença causada pelo coronavírus, a Covid-19, vitimou 6 milhões de pessoas e infectou mais de 446 milhões. No Brasil, já são mais de 29 milhões de infecções e mais de 650 mil mortes (Our World In Data). 

 

 

“É só uma gripezinha” 

 

Em novembro de 2020, após ser infectado pelo coronavírus, o presidente Bolsonaro declarou aos quatro cantos que "uma gripezinha" não iria lhe derrubar. A fala negacionista do presidente, além de absurda e criminosa, camuflava a existência do "gabinete paralelo", grupo que atuava à sombra do Ministério da Saúde e articulava ações com viés negacionista. 

O ex-ministro da Saúde na gestão da ex-presidenta Dilma Rousseff (2010-16) e deputado federal (PT-SP) Alexandre Padilha afirma que o país viveu a sua pior tragédia. 

“O Brasil viveu a sua maior tragédia humana, corredor de morte, famílias destroçadas, sequelas que durarão anos, desmonte de família com dezenas de milhares de órfãos da pandemia, equipes de saúde inteiras dizimadas, equipes de UTI que morreram ou que estão sequeladas e não podem voltar a atuar naquele serviço, muito conhecimento perdido, profissionais experientes que morreram na área da saúde, na área da manutenção da cidade. É maior tragédia humana que o Brasil já viveu”, critica o ex-ministro da Saúde. 

 

 

O espaço entre as pandemias 

 

O médico infectologista Marcos Caseiro destaca a diminuição da ocorrência entre as pandemias e que isso deve servir de alerta.  

"Se nós formos observar a história das pandemias, nós tivemos a pandemia da peste em 1300, depois tivemos a varíola no século XVII, da gripe no século XIX. Agora, a partir de 2000 nós já tivemos, pelo menos, seis pandemias: tivemos a pandemia do SARS, do MERS, do Ebola, Chicungunha, Zica, Dengue e agora o SARS-COV-2”, analisa Caseiro.  

Caseiro também afirma que, conforme mostra o registro histórico, o mundo deve vivenciar outras pandemias. 

“Isso [a diminuição de tempo entre uma pandemia e outra] de alguma maneira é um alerta para as pessoas entenderem que essas mudanças têm alterado e irão alterar profundamente a dinâmica das doenças infecciosas e certamente o surgimento de novas epidemias e pandemias, certamente elas são esperadas. EU acho que isso é uma coisa fundamental", alerta Caseiro.  

 


Pandemia, Bolsonaro e o genocídio brasileiro 

 

Aos términos dos trabalhos, a CPI da Covid considerou que o presidente Bolsonaro praticou crimes contra a humanidade ao atrasar a compra das vacinas, ir contra as políticas de distanciamento e lockdown e, dessa maneira, empurrar a população brasileira para a morte. O relatório final da comissão foi entregue ao Tribunal Penal Internacional (TPI). 

Também não se pode esquecer que o governo Bolsonaro e o “gabinete paralelo” fizeram de Manaus (AM) um grande laboratório a céu aberto para impor a imunização de rebanho. Como se sabe, foi uma tragédia e a capital amazonense empilhou corpos em vias públicas. 

“A postura do Bolsonaro foi a de um genocida, de quem apostou, desde o começo, de que a pandemia acabaria mais rápido se muita gente morresse. Bolsonaro apostou desde o começo na imunidade de rebanho, que muita gente tinha que pegar e se infectar para a pandemia acabar mais rápido e essa foi uma postura genocida e irresponsável, pois estimula a infecção por uma doença letal e que desde o começo dava sinais de que as pessoas poderiam se infectar mais de uma vez, ou seja, não iria ter imunidade de rebanho”, afirma Alexandre Padilha.  

 

O avanço da ciência e o fortalecimento do SUS 

 

Como demonstrado pela CPI da Covid, o governo Bolsonaro, além de ter sido omisso e se aliado ao coronavírus, fez tudo o que pode para boicotar o Plano Nacional de Imunização do SUS e interrompeu o diálogo com os estados e municípios.  

Todavia, o deputado Alexandre Padilha afirma que, apesar de toda a barbárie em curso na pandemia no Brasil, ela serviu para despertar a população para a importância do sistema de saúde e da ciência. 

“A pandemia despertou a população brasileira para a importância de instituições do SUS como o Butantan A pandemia despertou a população brasileira para a importância de instituições do SUS como o Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz, para o Programa Nacional de Imunização, despertou para a capacidade de resposta do SUS para a ampliação de leitos, atendimento em momentos críticos. A pandemia mostra isso. Se não fosse o SUS, 75% da população brasileira que não tem plano de saúde e boa parte dos usuários de planos de saúde não teriam tido qualquer tipo de atendimento durante a pandemia. 

Em linha de raciocínio semelhante à de Alexandre Padilha, o médico Marcos Caseiro destaca a tecnologia das vacinas desenvolvida pelos pesquisadores que devem servir de alicerce para o combate de outras doenças em um futuro próximo. 

“A ciência avançou muito. A questão, por exemplo, dessa vacina do RNA Mensageiro das vacinas da Pfizer e Moderna são fabulosas, um avanço tecnológico sem precedentes e que terá impacto nos próximos anos não só na questão de vacinas [contra a Covid] mas também no controle de outras doenças. Essa possibilidade de você transportar um RNA Mensageiro para levar uma informação para a célula produzir uma determinada informação é uma coisa única. Isso terá implicações em outras doenças também”, diz Caseiro.  

 

 

Tragédia e retrocesso 

 

Apesar do avanço da vacinação contra a Covid-19 no Brasil, Alexandre Padilha afirma que o país retrocedeu em vários aspectos. “Profundo retrocesso. O Brasil perdeu expectativa de vida, os indicadores já mostram, um desmonte geral do sistema de saúde e dos seus mecanismos de cooperação entre união, estados e municípios... uma tragédia”, lamenta Padilha. 

Para o médico Marco Caseiro, se o governo Bolsonaro não tivesse atuado contra a vacinação, muitas das mortes poderiam ter sido evitadas. 

“O governo trabalhou contra a vacinação fazendo fake news sobre os efeitos adversos associados à vacina, não trabalhou em nenhum momento em campanhas a favor da vacinação. Eu diria que a partir de março do ano passado nós poderíamos estar com grande parte da população vacinada se tivesse comprado a Pfizer, se tivesse um empenho enorme do governo no sentido de simplesmente não jogar contra, acho que, claramente, essas mortes, a partir de março/abril [2021] elas entram totalmente nas costas do governo por sua irresponsabilidade de não disponibilizar vacina e não trabalhar favoravelmente a distribuição das vacinas”, finaliza Marcos Caseiro.