Imbróglio legal deixa as polícias de São Paulo sem ouvidor

As maiores forças de segurança pública do Brasil seguem ter um responsável por acolher denúncias de abuso, violência e violações

Entrega de viaturas da PM no Sambódromo do Anhembi (Foto: Governo do Estado de São Paulo)
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A Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo, responsável por acolher e investigar denúncias de abusos, violências e violações aos Direitos Humanos cometidos por agentes das polícias Civil e Militar, está sem um ouvidor, ou seja, sem o ocupante do cargo máximo do órgão.

O último mandato para o cargo se encerrou em 6 de fevereiro e quem o ocupava era o advogado criminalista Elizeu Soares Lopes. Segundo o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe), órgão vinculado à Secretaria de Justiça e Cidadania que tem a incumbência de elaborar a lista tríplice levada ao governador para que então um nome entre aqueles seja escolhido, explica que a vacância se deu por um problema meramente técnico.

A lista divulgada no Diário Oficial em 11 de novembro de 2021 apresentava erros de digitação que alteraram o número correto dos votos de um pretendente ao cargo, sem, no entanto, alterar os três primeiros colocados na relação. A confusão na totalização dos votos e um erro que omitiu a presença de duas entidades participantes da votação na ata do evento acabaram por resultar num questionamento legal do resultado.

“O Condepe é responsável por organizar a eleição para formar a lista tríplice e o governador, entre os três, escolhe a pessoa que vai assumir a ouvidoria. Nós lançamos o edital em agosto do ano passado e seguimos todo o rito eleitoral e a eleição ocorreu no dia 9 de novembro. Só que quando publicamos no Diário Oficial nós o fizemos com um erro no número de votos do ex-ouvidor Elizeu, constando que ele tinha oito votos, quando na verdade ele teve quatro votos. Isso foi um erro de digitação, um erro simples, que seria corrigido com a publicação de uma errata, que é muito comum no poder público. Houve também um erro de duas entidades que estavam presentes na reunião e que não constaram na ata, outra alteração simples que em nada compromete o processo. Quando nós demos conta de que na publicação houve erro, imediatamente nós pedimos a publicação da errata para o secretário de Justiça e, desde então, a Secretaria de Justiça e Cidadania não autoriza a publicação da errata. Nós já vínhamos alertando há um bom tempo que a situação poderia chegar onde chegou hoje, da Ouvidoria estar sem ouvidor”, explicou o presidente do Condepe, Dimitri Sales.

Ainda de acordo com ele, a Secretaria de Justiça e Cidadania não tem facilitado as coisas para uma solução simples e rápida, acatando representações que no fundo não mudarão em nada o resultado da votação para escolher o responsável por monitorar as polícias paulistas.

“A Secretaria de Justiça e Cidadania alega que houve uma representação do deputado estadual Coronel Telhada (PSDB-SP) e que prefere primeiro resolver esse problema da representação imposta pelo parlamentar a ter que publicar uma errata. Nós entendemos que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Ao passo que o Coronel Telhada questiona os erros no edital, nós respondemos que a solução para esses erros é a publicação justamente da errada, resolvendo o problema. Só que o governo optou por estender essa situação ao limite e agora nós estamos assim, sem ouvidor”, concluiu.

O resultado real das eleições, segundo Dimitri, foi de nove votos para Renato Simões, oito votos para Alderon Pereira da Costa e oito votos para Claudio Aparecido da Silva. Elizeu apareceu também com oito, quando na verdade seriam quatro votos. Se ele ainda assim permanece com oito, seria eliminado porque o critério de desempate, segundo o presidente do Condepe, é pela inicial do nome por ordem alfabética.

Diante do impasse, mais de 109 mil policiais civis e militares do estado mais populoso do país seguem sem ter um ouvidor encarregado de diligenciar apurações sobre qualquer abuso ou violência praticados. Procurada pela reportagem da Fórum, a Secretaria de Justiça e Cidadania informou que "a permanência de Elizeu Soares como ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo após o término de seu mandato, em 6 de fevereiro, é amparada pelo decreto 60.020/2013, onde consta que em hipótese de descontinuidade entre o final de um mandato e nova nomeação, o último titular fica responsável pelo expediente, a fim de evitar prejuízo aos trabalhos", e que desta forma a Ouvidoria não estaria sem um representante legal.

A Secretaria da Justiça e Cidadania confirmou ainda que foi realizado o processo eleitoral para a substituição do mandato do atual ouvidor, conforme relatou o Condepe, entretanto, em razão da necessidade de diversas retificações e considerando a representação feita pelo deputado estadual Coronel Telhada (PSDB-SP), que apontou itens que ainda carecem de esclarecimentos, o processo segue em instrução visando comprovar a higidez e lisura do pleito.

Quem também foi procurada foi a Secretaria de Segurança Pública, que comanda a Polícia Civil e Polícia Militar, mas a pasta foi evasiva e restringiu-se a dizer que não comentaria o caso por ser de outra alçada.