Uma planilha do plano de saúde Prevent Senior, que registra a compra de itens para o tal kit-Covid, um coquetel com vários medicamentos sem qualquer eficácia contra a doença provocada pelo Sars-COV-2, mostra que a empresa adquiriu quantidades assustadoras de drogas inócuas para tratar pacientes contaminados pelo coronavírus, em 2020 e 2021, algumas inclusive perigosas e indicadas para enfermidades sem qualquer relação com a pandemia.
Esse é o caso da flutamida, um medicamento usado em pacientes com câncer de próstata em estágio avançado, e que é particularmente nocivo às mulheres, que mesmo sem nenhuma evidência científica foram tratadas com a substância. Os documentos mostram que em 2019 a Prevent Senior comprou 1.800 comprimidos de flutamida, enquanto em 2020, quando a droga ainda não integrava o kit-Covid, foram apenas 400. Com a entrada do medicamento no coquetel ineficaz, o plano de saúde adquiriu 210.516 unidades do remédio.
A quantidade de hidroxicloroquina também impressiona. O medicamento para malária, que pode acarretar graves distúrbios cardíacos e que se tornou bandeira do presidente negacionista Jair Bolsonaro, passou de um estoque de apenas 60 comprimidos em 2019, antes da pandemia, para 1.198.228 em 2020, ano da primeira onda de contaminações. Os tais kits-Covid foram largamente usados pela Prevent Senior, que devido à condução de seus atendimentos considerada inadequada e deletéria aos clientes ganhou destaque no noticiário, sendo investigada na CPI do Genocídio, instalada no Senado Federal, e por uma CPI direcionada exclusivamente à empresa na Câmara Municipal de São Paulo.
“A Prevent Senior apostou no kit-Covid desde o início da pandemia, inventou uma pesquisa fraudulenta dizendo que a hidroxicloroquina tinha efeitos positivos, o que foi desmentido depois por eles mesmos. O fato é que o kit começou com a hidroxicloroquina e a azitromicina, aí depois que viram que aquilo não funcionava, adicionaram ivermectina. Cada hora adicionavam uma coisa, uma vitamina, zinco, enfim. Esse kit foi mantido em uso até novembro último (2021), quando eles assinaram um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o Ministério Público de São Paulo. Nós na CPI solicitamos as tabelas com as compras de medicamentos, que demoraram muito a chegar, mas agora chegaram. O que nós notamos é que a compra de hidroxicloroquina e ivermectina em 2019, antes da pandemia, era residual e depois esses números explodem. Agora, o mais grave é o caso da flutamida, que embora eles neguem ter usado, dizendo que talvez apenas um médico ou outro possa ter usado. Eles compraram mais de 200 mil comprimidos de flutamida, que é um remédio indicado para casos de câncer de próstata avançado, e que é um remédio que, especialmente em mulheres, pode gerar um colapso do fígado”, explicou o vereador Antonio Donato (PT), presidente da CPI da Prevent Senior da Câmara Municipal de São Paulo.
Escândalo macabro
A Prevent Senior está sendo investigada não só na CPI da Câmara de São Paulo. A empresa também foi devassada durante a CPI do Genocídio, no Senado, e tem no seu encalço o Ministério Público de São Paulo, com base em um dossiê feito por médicos que trabalhavam junto ao plano de saúde, por realizar experimentos ilegais com os medicamentos do “tratamento precoce” sem o consentimento dessas pessoas, alterando prontuários e certidões de óbito.
Em um dos depoimentos mais contundentes dados à CPI do Senado, a advogada Bruna Morato, que defende os médicos denunciantes, deu detalhes sobre os procedimentos macabros adotados pela operadora de saúde em um suposto “pacto” com o governo Bolsonaro que teria por objetivo ocultar mortes por Covid-19, promover os remédios sem eficácia para iludir a população e, assim, dar sustentação à estratégia do governo contra o isolamento social.
Algumas famílias já vêm conseguindo junto à Justiça o direito de receber indenizações da Prevent Senior por casos de pacientes com Covid que foram submetidos ao “tratamento precoce”, sem consentimento, e que vieram a falecer.
Maquiagem nos atestados de óbito
Ao menos cinco casos de possíveis fraudes em atestados de óbitos praticados pela Prevent Senior foram investigados pelo Ministério Público (MP), inclusive as mortes de Regina Hang, mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang, e do médico negacionista Anthony Wong.
A Prevent Senior permanece na mira do MP por supostamente esconder mortes de pacientes infectados com o coronavírus, durante estudo para testar a eficácia da hidroxicloroquina, associada à azitromicina.
Número elevado de mortes
Dados obtidos pela CPI da Prevent Senior na Câmara Municipal de São Paulo apontaram que 40% dos pacientes graves de Covid-19 internados em hospitais da operadora de saúde em 2020 morreram.
Os números, apresentados por Luiz Artur Vieira Caldeira, coordenador da Covisa, órgão da Secretaria Municipal de Saúde, desmentem aqueles divulgados pelo diretor da Pedro Batista à CPI da Covid no Senado. Batista havia falado que 22% dos pacientes graves de Covid-19 internados em unidades de saúde da operadora morreram.
Os números se referem ao ano de 2020 e foram obtidos pela Covisa a partir do sistema Sivep-Gripe, banco de dados oficial de Síndrome Respiratória Aguda Grave. Antonio Donato (PT), presidente da CPI na Câmara Municipal de São Paulo, disse estar “espantado” com a mortalidade de pacientes com Covid-19 na Prevent Senior. Ele afirmou que “é uma linha de investigação da CPI que começa a andar”.