O suposto autor do blog anônimo que atacava participantes negros do Big Brother Brasil (BBB), segundo as Polícias Civis do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, teria ligações com um grupo neonazista que planejaria ataques contra homossexuais, negros e judeus.
Conforme mostrado pela Fórum, o blog pregava a morte de participantes negros do BBB, com defesa da "supremacia branca", que continha uma série de referências nazistas. A página, no entanto, foi invadida pelo grupo hacker Anonymous, que expôs os dados pessoais do suposto autor, identificado como Aristides Mathias Flach Braga, de Caxias do Sul (RS).
Segundo o grupo hacker e o ativista do movimento negro Antonio Isupério, que obteve os dados de Aristides, ele pertenceria a uma célula neonazista e já foi alvo de investigação policial pelo crime de racismo. A versão foi confirmada pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul e também pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), do Rio de Janeiro, onde a família do participante Douglas Silva, do BBB, um dos atacados no blog, registrou queixa.
Agora, os policiais do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul trabalham em conjunto nas investigações e vão intimar o suspeito para prestar depoimento.
"Quando chegamos na delegacia vimos que o suposto autor dos ataques já tem processos criminais pelo mesmo crime em andamento. Então, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul estão em diálogo para trocar informações", afirmou à imprensa Ricardo Brajterman, advogado de Douglas Silva, após fazer a queixa formal na delegacia, nesta quarta-feira (26).
Ao portal G1, o advogado de Aristides, André Von Berg, negou que seu cliente seja o autor do blog com postagens racistas e que ele pertença a grupo neonazista.
Ativista recebeu ameaça de morte do suposto autor do blog
Antonio Isupério, ativista do movimento negro, já foi ameaçado de morte pelo suposto autor do blog racista, identificado como Aristides Mathias Flach Braga.
Em agosto de 2021, Isupério expôs, em suas redes sociais, uma postagem de um cidadão identificado como Israel Soares, que fez declarações e saudações nazistas. Após a exposição, o ativista do movimento negro passou a receber ameaças através das redes sociais de pessoas que pertenceriam ao mesmo grupo neonazista de Israel. Uma dessas ameaças teria partido, segundo Isupério, de Aristides.
"Cara, faz agora mas tu faz agora o BO porque o tanto de gente que ta atras de ti. A gente vai te achar e oque a gente vai fazer contigo é do tamanho patamar de aqueles videos dos chilenos cortando a cabeça dos caras. Ouve bem tu não ta mechendo com 2 3 pessoas tu ta mechendo com um vespeiro de mais de 5 mil pessoas que ODEIAM judeus e agora sabem que tu é judeu. Macaco Preto fudido", dizia a mensagem ameaçadora.
À Fórum, Isupério contou que, a partir de então, passou a reunir dados de Aristides e evidências de sua participação em suposto grupo neonazista, que atuaria através de fóruns na internet, e fez um Boletim de Ocorrência contra o suspeito, que foi registrado pelo vereador Leonel Radde (PT-RS), que é policial civil. Além disso, Isupério protocolou uma denúncia junto ao Ministério Público contra Aristides.
Foram esses dados de Aristides obtidos por Isupério que o Anonymous expôs ao invadir o blog racista.
Vereador foi à casa do suspeito
Leonel Radde (PT-RS), que é policial civil, ajudou o ativista Isupério no registro da queixa contra Aristides, tentou localizar o suspeito nesta quinta-feira (27) em sua casa, em Novo Hamburgo (RS).
À Fórum, Leonel relatou que conversou apenas com o pai de Aristides, que é policial civil aposentado, e que ele nega que o filho seja o autor do blog racista. Segundo o homem, o suspeito é alvo de um hackeamento.
O vereador conta, no entanto, que já há em Novo Hamburgo "2 ou 3" inquéritos abertos contra Aristides, que estão relacionados à sua suposta vinculação com grupos extremistas e, segundo Leonel, até ligações com pedofilia e planejamento de atentados terroristas.
Leonel afirma ainda que já há evidências de que Aristides seria, de fato, o autor do blog racista. "O blog foi derrubado, mas, antes disso, ele tinha conteúdos que o próprio autor subiu com fotos dele, com carteira de identidade. A defesa argumenta que foi tudo hackeado, acontece que tem conteúdos em vídeo em que ele oferece banana pra criança negra, tudo isso gravado em vídeo. É muito difícil que tenha sido hackeado", argumenta.
Anonymous invade o blog
O grupo hacker Anonymous invadiu, nesta quarta-feira (26), o blog criminoso que pregava morte de participantes negros do Big Brother Brasil (BBB). No lugar dos textos racistas e de supremacia branca, os hackers expuseram dados pessoas do suposto autor dos textos. Esses dados foram obtidos por Antonio Isupério, ativista do movimento negro. À Fórum, ele informou que essas informações já foram repassadas à Polícia Federal.
O blog está hospedado na plataforma WordPress e os textos não eram assinados. Em uma das postagens, o autor até então anônimo chamou o participante Douglas Silva de “macaco”. “Este negro imundo deveria ser crucificado vivo, e, logo em seguida, ter seu corpo carbonizado. Não vejo sentido em colocarem um macaco imitador de circo na televisão. O lugar desse preto fedido é trabalhando no sol quente numa lavoura e levando chicotada do nosso amigo Capataz Sancto”, dizia um trecho do artigo criminoso.
Outras postagens atacavam e pregavam a morte de outros participantes negros do reality show, como Natália Deodato, Linn da Quebrada e Luciano Estevam.
Ao invadir a página, o Anonymous expôs dados de um cidadão identificado Aristides, de Novo Hamburgo (RS), e associou a ele a autoria das postagens racistas.
“Este site foi hackeado hoje (26 de janeiro de 2022) pelo grupo ANONYMOUS. Aristides, seu fim está próximo. Tomara que te joguem em uma cela só de negros quando você for preso!”, diz um trecho do texto do grupo hacker.
“Uma pessoa visivelmente criminosa, de alta periculosidade, que lidera grupo de nazismo e crueldade aos animais, além de supostamente fazer parte de um grupo extremista e estar planejando um ataque terrorista em Novo Hamburgo”, prossegue o texto.
Neonazismo cresce no Brasil
A cientista social, antropóloga e pesquisadora Adriana Dias, que dedica sua vida ao estudo do avanço dos grupos neonazistas no mundo e, especialmente no Brasil, divulgou dados preocupantes sobre o tema.
“Somente em 2021, quase 1 milhão de pessoas leram material neonazista”, declarou, em entrevista recente ao prigrama Fórum Onze e Meia.
Além da leitura, esse conteúdo acabou sendo propagado de diversas formas, principalmente por meio das redes sociais, inclusive estimulado por Jair Bolsonaro (PL), que nutre uma ligação antiga com esses grupos.
Outro número assustador, segundo Adriana, é que hoje há 530 células de 52 grupos neonazistas. Isso representa que há focos “em quase todos os estados do Brasil”.
De acordo com as pesquisas da antropóloga, esses focos não param de crescer. Em 2009, em função de brigas entre eles, os dois principais grupos neonazistas em atividade no país tinham recuado e as células se desligaram.
“Era o momento de destruir o neonazismo no país, mas nada foi feito. Em 2011, os grupos que restavam organizaram uma passeata no Masp (Museu de Arte de São Paulo) pró-Bolsonaro. A partir daí eles voltaram à cena nacional, criaram uma ligação forte com Bolsonaro e passaram a crescer 60% ao ano”, relatou Adriana.
Ela contou, ainda, que hoje esse crescimento é de 150% ao ano. “Perdeu-se o controle da ameaça que isso representa”.