O juiz federal Paulo Pereira Leite Filho, do Rio de Janeiro, determinou, esta semana, a abertura de um inquérito para investigar policiais rodoviários federais e outros agentes públicos envolvidos na prisão de uma mulher por, supostamente, ter xingado Jair Bolsonaro (PL).
O caso aconteceu em novembro do ano passado e ganhou repercussão nacional. Bolsonaro, junto a ministros, assessores e agentes da Polícia Rodoviária Federal, acenava aos motoristas na Via Dutra em Resende (RJ) e uma mulher de 30 anos teria o xingado quando passou pela comitiva presidencial. A mulher foi detida e foi levada para a delegacia da Polícia Federal de Volta Redonda (RJ), onde foi feito registro de um termo circunstanciado pelo crime de injúria. Ela só foi liberada após assumir compromisso de comparecer em juízo.
Ao determinar a abertura de inquérito para apurar a conduta dos agentes, o juiz Paulo Pereira Leite Filho atendeu a um pedido do Ministério Público Federal (MPF) e a uma petição protocolada, em dezembro, por advogados da Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos (FADDH). Agora, o caso será investigado pela Delegacia da Polícia Federal de Volta Redonda.
Crime contra a honra?
Na petição, os advogados da FADDH apontam abordagem indevida feita pela PRF e afirmam que a condução da mulher à delegacia, bem como a assinatura do termo circunstanciado, foi abusiva.
"Cabe ressaltar que o ato da cidadã não constitui crime algum, uma vez que o Presidente da República, assim como outros políticos e personalidades públicas, por estarem mais expostos, naturalmente são alvos de críticas. Isso faz com que seja natural que, em conversas informais, noticiários e até mesmo manifestações públicas, palavras ofensivas possam eventualmente ser proferidas, mas não tem a capacidade de macular a honra de uma figura pública como um Deputado, Senador, Governador ou Presidente", diz um trecho da petição.
À Fórum, o advogado Felippe Mendonça, que compõe a FADDH e um dos que assina a petição, explicou que o crime contra a honra do presidente não se aplica a este caso.
"O crime contra a honra do presidente da República, Artigo 141, I do Código Penal, foi redigido no Estado Novo de Getúlio Vargas, período totalitário, em que não tínhamos uma democracia. Com a democracia determinada na Constituição Federal de 1988, o dispositivo não é compatível, pois a honra do presidente da República não é mais valiosa do que do resto da população, além disso, sua finalidade (inibir manifestações), não está de acordo com as finalidades da Constituição Federal, que valorizam os direitos políticos democráticos", esclarece.
Segundo o advogado, "há um espaço maior da liberdade de expressão em manifestações políticas, como consequência dos direitos políticos garantidos pela Constituição Federal. Além disso, políticos sabem que, ao assumir cargos públicos políticos (eletivos ou em comissão) são suscetíveis de críticas em manifestações, diminuindo a esfera de proteção da honra".
Abuso de autoridade
Os advogados que pediram a abertura de inquérito contra os policiais afirmam que houve, na condução da mulher à delegacia, o crime de abuso de autoridade, visto que "foi decretada medida de privação da liberdade, consistente na
condução da vítima para a delegacia sem que houvesse os requisitos legais para tanto".
Na petição, é ressaltado que "a persecução penal em crimes contra a honra só pode se iniciar após a manifestação formal de vontade da vítima ou, no caso da vítima ser o Presidente da República, mediante requisição do Ministro da Justiça".
"Sem essa requisição do ministro, ou qualquer outra formalização da vontade da suposta vítima (no caso o Bolsonaro) de processar aquele que lhe ofendeu, não podem a polícia e o delegado fazer o que fizeram", reforçou à Fórum o advogado Felippe Mendonça.
Para a FADDH, "a democracia é o regime de governo em que os cidadãos podem se manifestar livremente quanto às suas preferências e descontentamentos políticos". "Essa manifestação política, por mais contundente que seja, quando direcionada a um órgão ou agente público, em decorrência de sua atividade pública deve ser tratada com grande cuidado, uma vez que não se admite regular a opinião pública por meio de censura", diz outro trecho da petição.