Uma lista divulgada pela Prefeitura de Santos, no litoral de São Paulo, com um ranking das secretarias com melhor desempenho no ano de 2021, elaborada pela Ouvidoria, provocou indignação em servidores públicos municipais e em grande parte dos moradores da cidade famosa pelo maior jardim de orla do mundo.
Os resultados do chamado sistema INDICAMETA, que relaciona os setores do serviço público com as metas dos Contratos de Gestão de Metas e Resultados, indicador vital para o programa de Participação Direta nos Resultados (PDR), mostraram que a Secretaria de Saúde, em plena pandemia e com seus quadros atuando em ambiente insalubre e com constantes riscos de contaminação pela Covid-19, além dos servidores da área que morreram pela doença, ficou em 14° lugar, enquanto a Secretaria de Gestão, que engloba o gabinete do prefeito Rogério Santos (PSDB), ocupou a 1ª posição.
A nota 7.95 da pasta da Saúde fez com que o setor ficasse atrás ainda de muitas outras secretarias, como a de Gestão, Desenvolvimento Urbano, Segurança, Educação, Finanças, Transparência e Controle, Planejamento e Inovação, Meio Ambiente, Serviços Públicos, Esportes, Procuradoria-Geral do Município, Governo e Infraestrutura e Edificações, que em sua maioria atuaram durante 2021 no esquema de home office.
Pra piorar, a colocação ruim garantirá um abono de apenas 25% do salário aos servidores da Saúde, que trabalharam sob risco de morte durante os momentos mais dramáticos da hecatombe imposta pela Covid-19 no último ano, diferentemente dos demais funcionários das repartições que atuaram exclusivamente em home office e embolsarão um prêmio de 50% em relação aos seus vencimentos.
Critério na elaboração do ranking
Segundo o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Santos (SindServ-Santos), o Contratos de Gestão de Metas e Resultados (PDR) levou em consideração critérios que acabaram sendo distorcidos na elaboração da lista das secretarias e órgãos quanto ao desempenho. No caso da Saúde, adotou-se como parâmetro o atendimento nas Unidades Básicas de Saúde (UBS’s) durante o ano de 2021, que foi baixo por conta das restrições relacionadas à pandemia e também pela escassa procura por esses serviços no período, já que os cidadãos eram orientados a ficar em casa e o faziam por receio de contaminação pelo coronavírus.
O SindServ-Santos afirma que é contrário a essas premiações, já que ganhos devem ser incorporados aos salários fixos das categorias do funcionalismo público municipal, mas alerta que, uma vez instituído esse tipo de pagamento, os critérios adotados devem ser justos, transparentes e livres de qualquer tipo de interferência política.
Reclamação geral
Nas redes sociais e em aplicativos de mensagens instantâneas, uma verdadeira chuva de queixas e protestos dominou as discussões em grupos de servidores do município. “Para quem não sabe o PDR (Participação Direta nos Resultados) é um programa que foi implantado em 2013 e nada mais é do que um sistema de indicadores de metas a serem contempladas pelos servidores. Se a sua secretaria atinge nota acima de 9, você é contemplado com bônus de 50% do seu salário e caso tenha nota entre 7 e 8,99 será contemplado com 25%. Ver a nota atingida pela Secretaria de Saúde (SMS) só mostra a visão que os nossos governantes têm dos profissionais de saúde. Estamos com os nossos salário e benefícios congelados desde o início da pandemia (sendo que nunca trabalhamos tanto na vida), fomos a única prefeitura que não recebeu um “bônus Covid” por termos trabalhado durante a pandemia, visto que Santos recebeu (e continua recebendo até hoje) moradores de outros municípios, pois somos a cidade com maior estrutura e quantidade de leitos UTI/ Enfermaria. Trabalhamos com falta de material, inclusive os imprescindíveis EPI’s, com falta de profissionais em todos os setores, adoecemos, perdemos mais colegas do que gostaríamos, deixamos de estar com a nossa própria família por receio de contaminação, e apesar disso tudo, não deixamos não deixamos a peteca cair. São 2 anos de desgastes físicos e mentais diários, mas infelizmente vivemos em um país onde nem os próprios governantes valorizam o nosso esforço. Eu como ser humano teria vergonha de colocar os profissionais da saúde nessa categoria, que não tiveram a opção de trabalhar “home office” como as oito secretarias contempladas com nota acima de 9”, diz uma mensagem que viralizou no WhatApp na Baixada Santista, cujo o autor é desconhecido.
Já num arquivo de áudio distribuído nas redes, um homem que se identifica como médico diz o que pensa sobre a nota atribuída aos profissionais de saúde de Santos e em relação à injustiça cometida contra esses servidores. Seu nome e cargo foram omitidos pois não é possível atestar de fato a autoria da mensagem.
“Pessoas que trabalharam em home office durante a pandemia vão ganhar 50% do salário base e os servidores da SMS que trabalharam na linha de frente vão ganhar 25%. Em que pesem os erros da SMS durante todo o processo, e isso tem que ser apurado, vai pegar muito mal para o prefeito, o Rogério (Santos), dar 25% pra quem esteve na linha de frente e 50% pra quem fez home office”, diz o suposto servidor público.
Noutro protesto, uma servidora afirma que os funcionários que travaram a dura luta contra a Covid-19 foram os que mais se esgotaram no trabalho durante o ano de 2021 e é absurda a hipótese de receber menos do que os demais trabalhadores de outras secretarias.
“Funcionários da Saúde da cidade de Santos foram os que mais trabalharam no município. Como conseguiu alcançar metas menores se os profissionais não puderam ficar em Home Office, não puderam tirar férias, se afastaram e retornaram automaticamente sem ter direito de convalescer em casa, adoeceram e perderam os seus queridos, perderam os seus amigos que trabalhavam já há tanto tempo que a amizade durou mais que muitos casamentos e ainda assim retornaram para a linha de frente, como se fossem máquinas que foram para oficina e deveriam retornar a pleno vapor, tudo isso, mesmo antes de ter a vacinação? Como essas pessoas não são dignas de receber o PDR totalmente? E falando em dinheiro vamos lembrar que muitas cidades até mesmo com menor verba orçamentária que o município de Santos, recebeu a verba covid e repassou para os seus funcionários da saúde e todos aqueles que não se afastaram durante a pandemia”, desabafa a autora da mensagem.
O que diz a Prefeitura de Santos
A reportagem da Revista Fórum entrou em contato com a Prefeitura Municipal de Santos, que respondeu aos questionamentos sobre o assunto por meio de uma nota encaminhada por sua assessoria de imprensa. O conteúdo enviado, na íntegra, é o que segue:
“A Prefeitura de Santos esclarece que os resultados parciais do programa Participação Direta nos Resultados (PDR), publicados no Diário Oficial de 30 de dezembro (https://diariooficial.santos.sp.gov.br/edicoes/inicio/download/2021-12-30), são referentes à avaliação do período de janeiro a novembro de 2021. A classificação final, incluindo os dados de dezembro, devem ser divulgados no final de fevereiro deste ano.
Os servidores das secretarias municipais que atingirem nota 9 ou 10 nos indicadores receberão 100% do prêmio (50% do salário base), que é uma espécie de 14º salário. Já os servidores das que apresentarem nota entre 7 e 8,9 receberão 50% do prêmio (25% do salário base).
Vale ressaltar que a Secretaria de Gestão (Seges), a melhor avaliada até o momento, é uma pasta que está no mesmo nível hierárquico das demais pastas, entre elas a da Saúde, e as metas previstas foram pactuadas no final de 2020, já diante do cenário de pandemia.
O PDR é gerenciado por uma comissão de servidores de carreira da Prefeitura, com indicadores auditados pela Controladoria Geral do Município. O pagamento de bônus segue uma lei municipal com regras objetivas que devem ser respeitadas por todos os participantes. Todos os indicadores, metas e desempenho estão disponíveis, com total transparência, no portal do PDR (https://egov.santos.sp.gov.br/pdm/Dashboard/Dashboard/PDR/Geral).
PROGRAMA - Santos foi pioneira ao adotar o programa de mérito por resultados, muito utilizado na iniciativa privada, na gestão municipal. A iniciativa é realizada desde 2014 e a implementação contou com a consultoria da Fundação Vanzolini no desenvolvimento e implantação de indicadores de desempenho para serem consagrados no contrato de gestão.”