O dia 25 de janeiro de 2021 marca três anos de uma das maiores tragédias humanitárias e ambientais da história do Brasil: a morte de 272 pessoas (seis não foram encontradas) em consequência do rompimento da barragem de rejeitos da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), controlada pela Vale.
Com as recentes enchentes no estado de Minas, o medo voltou a aterrorizar os moradores do município.
Alexandra Andrade, nascida em Brumadinho, perdeu um irmão, um primo e vários amigos em 2019. Ela precisou se submeter a tratamento de terapias alternativas.
“O cenário atual em Brumadinho é de calamidade pública. Nós estamos sofrendo com as enchentes. Vários bairros e localidades do interior estão sem passagem, ou seja, as pessoas estão ilhadas”, declarou Alexandra, em entrevista à Fórum.
Ela não esconde o receio por uma nova tragédia. “O medo é bem grande, pois a mudança em nossas vidas foi para pior. A vida ficou um caos, tanto como parente de vítima ou moradora de Brumadinho. Sentimos muita tristeza e a falta dos nossos familiares”.
Alexandra relata que outro aspecto importante foi a perda de qualidade de vida dos moradores locais.
“O município, devido às obras de reparação, mudou completamente. Antes, era muito tranquilo. Hoje, não está mais assim. Há várias pessoas doentes, tomando medicamentos; centenas de vítimas que antes nunca tinham passado por um psicólogo ou psiquiatra, hoje fazem esse acompanhamento”, conta.
“Tudo isso traz tristeza e revolta, principalmente, porque poderia ter sido evitado. Tivemos que velar nossos parentes com tempo cronometrado de velório, com caixão fechado. Nós não pudemos nos despedir dos nossos parentes. Às vezes, havia velórios ao mesmo tempo, nós não conseguíamos ir a um, pois estava em outro. Ou, então, o velório era em outra cidade. Foram vários transtornos”, destaca.
“Há muitas barragens em situação de risco e há poucos fiscais”, denuncia moradora de Brumadinho
Alexandra denuncia que “há muitas barragens em situação de risco e há poucos fiscais. É preciso mais investimentos em fiscalização e que atuem com prevenção. Isso é o mais importante, não deixar que aconteça”.
Além disso, ela ressalta que as leis relacionadas à mineração precisam ser mais rígidas. “Se a Vale tivesse gasto parte do dinheiro que ela pagou no acordo do Estado, para evitar o rompimento da barragem, nossa vida estaria tranquila como antes, nossa cidade também, nossos familiares estariam conosco e a Vale teria gasto bem menos”.
A moradora de Brumadinho alerta, também, sobre a necessidade de se combater a impunidade. “Nós precisamos de punição exemplar para o que aconteceu. Os culpados precisam ser presos, pagar pelo erro que cometeram e as empresas responsabilizadas o mais rápido possível, porque quem sabe assim mudam a postura”.
Alexandra lembra que, em 2015, já havia ocorrido uma tragédia semelhante em Mariana (MG), matando 19 pessoas.
“Depois de Mariana, não mudaram nada e aconteceu em Brumadinho, pouco mais de três anos depois. Esperamos que não aconteça com mais ninguém. Com o aumento das chuvas, a agonia só aumenta. Todos se sentem inseguros como se houvesse uma bomba-relógio em cima da cabeça”, aponta.
“Em Brumadinho, todos respeitavam a Vale, todos acreditavam nela. Mas as regras de ouro da empresa são maquiagens. A empresa fala que a vida está em primeiro lugar. A vida de quem está em primeiro lugar?, questiona.
Alexandra não contém a indignação. “A empresa matou 272 joias a sangue frio, e nos mata um pouco a cada dia. Muitas dessas pessoas que morreram trabalharam e ajudaram a Vale a construir lucros bilionários durante anos. O retorno de toda essa dedicação foi morte brutal”.
Ela ressalta que há seis famílias que ainda não tiveram o alento de encontrar o corpo de seu familiar para um enterro digno.
“A Vale teve anos para evitar que essa tragédia-crime acontecesse. Mas ela falhou e negligenciou. Por isso, precisa mudar o futuro para reparar seu passado recente de genocídio de trabalhadores inocentes. Devido à ganância pelo lucro a qualquer custo, ela optou por assassinar 272 pessoas, totalmente indefesas. Nó esperamos, também, que a Justiça brasileira dê mais celeridade no processo criminal”, finaliza Alexandra.
Associação dos Familiares de Vítimas de Brumadinho demonstra apreensão
A Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão Brumadinho (AVABRUM) divulgou uma nota, na qual relata que acompanha com apreensão os acontecimentos recentes em Minas Gerais.
A entidade faz os seguintes alertas: “o risco de rompimento de barragens e o transbordamento de dique, que interrompeu movimento de rodovias, indicam o descaso das autoridades com fiscalização e monitoramento de barragens que colocam em risco a vida de milhares de pessoas.
O cenário aponta, ainda, o descaso das empresas privadas em adotar medidas concretas de responsabilidade socioambiental, que possam preservar os trabalhadores e as comunidades próximas.
São necessárias políticas públicas para o setor minerador que, de fato, possam ouvir e atender as necessidades da sociedade e não apenas o poder econômico.
Reitera, por fim, que continua a luta para que a justiça seja feita em relação às 272 vítimas que perderam a vida com o rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, de responsabilidade da Vale e pelo encontro de todas as joias (seis vítimas ainda não foram encontradas).
No dia 25 de janeiro próximo, completam-se três anos da tragédia em Brumadinho. Para que a história não se repita, pela negligência ou descaso, chamamos atenção do poder político e órgãos de Justiça para adotar, em todo o país, urgente e efetiva fiscalização das barragens que ainda colocam em risco a vida de milhares de brasileiros.
Esperamos as devidas providências e continuaremos a lutar para que a nossa dor jamais se repita e que nenhuma família passe pelos que estamos passando”, finaliza a associação.