A Fórum traz com exclusividade um escândalo envolvendo o pagamento ilegal de R$ 15 milhões a integrantes do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). O valor astronômico, cuja devolução está sendo exigida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), foi depositado nas contas de vários conselheiros do órgão, como "atos de concessão", uma espécie de ajuda financeira dada aos membros do colegiado que vão a trabalho até a sede do Cremesp. No entanto, desde 2018, há uma proibição desse tipo de gasto, que vem sendo ignorada e acarreta em volumosos prejuízos econômicos para a regional paulista da autarquia federal que regula a medicina no país.
A reportagem da Fórum teve acesso a mais de 6.700 páginas de documentos, de 2019, 2020 e 2021, que revelam que os pagamentos dos chamados atos de concessão seguem sendo realizados e que há até um documento para que o conselheiro assine, aceitando ou não, receber tais proventos, mesmo sabendo que eles foram considerados ilegais pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e que seguem na mira dos órgãos de controle e transparência. O material consultado para a realização desta matéria jornalística é oficial, timbrado e identificado como “Listagem de Relatório de Despesas – CREMESP / SCP – Sistema de Contas a Pagar”.
A proibição consta na ata de encaminhamentos deliberados do Conselho Federal de Medicina, datada de 30 de outubro de 2018, que determinou a suspensão desse procedimento, visto que o TCU já sinalizava que não toleraria mais tais compensações financeiras na regional de São Paulo.
A normativa vetou expressamente o pagamento de qualquer ajuda de custo aos conselheiros que compareçam às delegacias ou sedes dos CRMs, em todos os estados da federação, para realização de atividades individuais, como audiências, ou simplesmente despachos de processos que correm no órgão, uma vez que o cargo é considerado honorífico.
A única retribuição financeira permitida pelo TCU é o pagamento de um jetom, no valor aproximado de R$ 900, para aquelas atividades de natureza coletiva, ou seja, que envolvam o colegiado dos representantes de um dos conselhos regionais de medicina. No entanto, a atual diretoria do Cremesp não acatou a determinação constante na normativa do Tribunal de Contas da União e, sob a alegação de que a entidade tem "autonomia financeira", continuou fazendo os pagamentos.
A desobediência foi levada ao Ministério Público Federal (MPF), que passou então a investigar os pagamentos irregulares. O caso está nas mãos da procuradora da República Ana Letícia Absy, da 5ª Câmara de Combate à Corrupção de São Paulo, que instaurou um Procedimento Preparatório (PP) em 27 de agosto deste ano.
Mesmo sob suspeita de usar irregularmente os recursos da autarquia, uma das páginas do site oficial do Cremesp aparece com um selo de participante do Programa Nacional de Prevenção à Corrupção, promovido e dirigido pelo Tribunal de Contas da União (TCU), lançado em maio de 2021.
Gestão turbulenta
A atual diretoria do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo foi eleita em julho de 2018 e tinha como presidente da chapa Mário Jorge Tsuchiya, médico legista e do trabalho, que renunciou ao cargo 20 meses após a posse, em março de 2020, nos primeiros dias da avassaladora pandemia da Covid-19.
Doutor Tsuchiya alegou motivos pessoais para abandonar a chefia do Cremesp, mas denúncias veiculadas à época apontavam para uma resistência dele em cumprir orientações passadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde), o que provocou confusão nas atividades de todos os médicos do estado, que não sabiam como proceder com suas agendas, sobretudo em relação a cirurgias eletivas. Para muitos profissionais paulistas, Tsuchiya passou a ser visto como um negacionista.
Com a saída de cena de Tsuchiya, quem ascendeu à presidência da regional paulista do CFM foi a reconhecida neuropediatra Irene Abramovich, que deve seguir à frente do conselho até 2023, quando se encerra o mandato da atual gestão e serão realizadas novas eleições.
O que diz o Cremesp?
Contatado pela reportagem da Fórum, a assessoria de imprensa do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo respondeu com uma nota oficial curta, cujo teor segue abaixo, na íntegra.
Instado, o Cremesp discorda das afirmações feitas e reafirma seu compromisso com o estrito cumprimento das normas administrativas e legais, do mesmo modo que os demais Conselhos Regionais de Medicina, que edificam o sistema conselhal.