A lista de crimes supostamente cometidos por Jair Bolsonaro não para de crescer. Mais uma vez, o presidente pode ter cometido improbidade sanitária, segundo especialista ouvido pela Fórum.
Nesta terça-feira (17), Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques, auditor do Tribunal de Contas da União (TCU), prestou depoimento à CPI do Genocídio no Senado. Marques é o autor do relatório divulgado por Jair Bolsonaro em junho que apontaria "supernotificação" nos números de mortes em decorrência da Covid-19.
"É uma jogada política. As mortes parecem que interessam à TV Funerária. Quando atingiu as 500 mil mortes… Eu lamento as mortes, mas eles parece que… Não se preocuparam, TV nenhuma se preocupou, em consultar aquele documento que é público, do TCU, que fala das supernotificações. Não se preocuparam", disse o presidente, a apoiadores, em 22 de junho.
À CPI, o auditor disse que em nenhum momento afirmou que houve supernotificação de óbito por Covid-19 no Brasil. Em depoimento prestado ao TCU na semana passada, ele acusou o governo Bolsonaro de ter alterado o documento.
Ele esclareceu, ainda, que o arquivo divulgado por Bolsonaro "não era um papel de trabalho, uma instrução processual, um documento oficial do TCU, nada do tipo. Era apenas um debate inicial e aberto, que foi considerado encerrado".
Diante do depoimento de Marques, o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), atribuiu um novo crime a Bolsonaro: o de falsificação.
“É lamentável constatarmos sempre a ocorrência de novos crimes, no âmbito desta Comissão Parlamentar de Inquérito. Já foi charlatanismo, já foi curandeirismo, já foi infração à ordem sanitária. Hoje estamos diante do crime de falsificação de documento público, e os indícios lamentavelmente levam à figura de Sua Excelência o Senhor Presidente da República, conforme consta no art 297 do Código Penal”, declarou o parlamentar.
Em entrevista à Fórum, o advogado Thiago Campos, que é especializado em direito sanitário, foi além e explicou que, ao divulgar o tal relatório falso sobre "supernotificação" de mortes, Bolsonaro comete crime contra a saúde pública.
Improbidade sanitária
Segundo Campos, "a intenção de Bolsonaro ao utilizar aquele relatório era enfraquecer a autoridade sanitária, as demais autoridades do país, gerando um caos, fazendo com que desacreditassem dos dados, desacreditassem dos números de óbitos, presumissem que houvesse uma intencionalidade em propagar a ideia de mortalidade decorrente da pandemia de Covid".
"Isso tem uma intenção e essa intenção abala a estrutura de organização do próprio sistema público de saúde, fere os princípios sanitários e incorre, sim, em um crime, um tipo penal específico contra a saúde pública", explica.
De acordo com o advogado, com a divulgação do relatório apócrifo, o presidente fez com que mais pessoas deixassem de seguir as recomendações sanitárias, o que, por consequência, aumenta o número de contaminados e de mortos.
"Para nós, é um típico caso de improbidade sanitária", atesta.
"Além da tipificação como crime de falsidade, como bem coloca o senador Randolfe, a gente precisa lembrar sobre um contexto: é um contexto de quem queria e segue, pelo visto, querendo causar o caos e aumentar os danos causados pela pandemia no país", analisa Campos.
Caso da Covaxin também configura improbidade sanitária
O contrato feito pelo governo Bolsonaro para a compra da vacina indiana contra a Covid, Covaxin, com inúmeros indícios de corrupção -, pode também ser interpretado como um ato de improbidade sanitária.
O aval para a compra da vacina foi dado por Jair Bolsonaro, no início do ano, que aprovou a compra do imunizante a um valor 1.000% maior que preço inicialmenteanunciado pelo fabricante. A Covaxin foi a única vacina que teve um intermediário – a Precisa Medicamentos – na negociação.
Um telegrama da embaixada brasileira em Nova Délhi mostra que, quando lançada, a vacina produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech custava 100 rúpias ou cerca de 1,34 dólares a dose. Em fevereiro desse ano, sob pressão de Bolsonaro, a Precisa Medicamentos fechou a compra para o Ministério da Saúde pelo valor de 15 dólares a unidade. Ao mesmo tempo, o governo federal rejeitou a compra da vacina da Pfizer a 10 dólares alegando preço muito alto.
Em depoimento ao Ministério Público, o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda disse ter sofrido pressão “atípica” para garantir a importação da vacina, sendo acionado por diversos superiores, inclusive aos finais de semana. A pressa no fechamento da negociação também impressionou o MP, que investiga o contrato suspeito. O período entre a negociação e a assinatura do contrato para aquisição da Covaxin levou 97 dias. O do imunizante da Pfizer demorou 330 dias, o prazo mais longo entre todas as vacinas.
Bolsonaro teria, inclusive, sido alertado pelo deputado federal e ex-aliado Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidor do Ministério da Saúde, sobre os indícios de corrupção na compra do imunizante, tendo apresentado documentos que reforçariam as suspeitas. O presidente, no entanto, nada fez para investigar o caso.
À Fórum, o advogado Thiago Campos chamou a atenção para o fato de que há o conceito de probidade administrativa, que prevê a aplicação de recursos públicos “da melhor maneira possível”, e que há o caso de improbidade sanitária, que poderia se aplicar ao caso da Covaxin.
“O que chamamos de improbidade sanitária tem a ver com a adoção de ações propositais ou decorrentes de omissão deliberada do agente público, que atingem o bem jurídico tutelado pelo direito à saúde, em especial a saúde pública e, consequentemente, a vida humana”, pontua.
Segundo Campos, “quando o governo dá prioridade à aquisição de uma vacina para o combate à pandemia com o objetivo escuso de que essa decisão administrativa se revista de ganhos econômicos e financeiros para a servidores ou particulares”, como as suspeitas apontam que é o caso da Covaxin, “estamos diante de uma improbidade sanitária”, declara o advogado. “Pois isso trará consequências não apenas ao erário, mas essencialmente à saúde coletiva, levando ao adoecimento das pessoas ou mesmo a mortes”, continua, adicionando ainda que “o descumprimento do dever de evitar agravos à saúde da população, não adquirindo, nesse caso específico, vacinas eficazes e seguras que possam salvar vidas, afronta à probidade sanitária”.