A antropóloga e pesquisadora da PUC de Campinas Adriana Dias, que há anos rastreia pela internet grupos extremistas de ultradireita que atuam no Brasil, encontrou uma carta, do então deputado federal Jair Bolsonaro, datada de 2004, dirigida a neonazistas de um site que propagavam tal ideologia, retirado do ar em 2006: o Econac.
“Eu estava me preparando para um colóquio em Minas Gerais e precisei pegar um material de um dos sites nazistas que eram denunciados por internautas desde 2002. Pedi para meu marido pegar a parte impressa de um site saiu do ar em 2006, perto da minha defesa de mestrado. Eu transformava em pdf. e salva o site, porque o site ia ser denunciado e logo sairia do ar. Quando eu peguei uma parte dessa página, lá estava a carta do Bolsonaro. Eu fiquei bem chocada e então pedi para minha estagiária varrer todo site. A partir daí a gente achou mais coisa no Econac e num outro grupo também, o Poder Branco, que também fazia referências a Bolsonaro. No caso do Econac, que tinha banners e a carta, havia mais menções lá a Bolsonaro”, conta Adriana.
Questionada sobre a importância desse fato, nunca trazido à tona e tampouco alardeado e propagandeado pelo próprio Bolsonaro, que é conhecido por ser falastrão e sem filtros na hora de proferir impropérios e bobagens, a antropóloga diz que seu silêncio sobre o tema diz muito.
“Claro que se ele nunca falou disso, em momento algum, apesar de todos esses grupos neonazistas o apoiarem, ele descartou (a exposição) desses grupos. Acho que isso fala algo muito importante. Ele sabe que está falando com a sua base e ele não pode calá-la”, explica a pesquisadora, que entende que o atual presidente jamais rechaçaria um público que lhe serve como motor ideológico.
Sobre o teor encontrado no material, tanto da carta quanto dos banners que direcionavam os visitantes para o site do então deputado Jair Bolsonaro, e que eram disponibilizados nessas páginas extremistas de cunho neonazista, Adriana entende que a forma como Bolsonaro se dirige aos seguidores do site é reveladora, mas que os banners, que aparecem mais de uma vez e em domínios diferentes, era o que dava mais audiência entre os meios usados para se comunicar com os ultradireitistas, já que a página oficial do hoje presidente da República tinha um tráfego de usuários gigantesco para a época, inclusive internacional.
“Na verdade, o teor do documento (carta) não é o mais importante. O mais importante nessa carta é que ele diz que essas pessoas são a razão do mandato dele e essa carta só foi publicada em sites neonazistas e em nenhum outro canto. Os banners, para mim, têm até mais importante do que a carta em si, porque geravam um tráfego intenso para a página dele (Bolsonaro)... O tráfego do site dele, à época, vinha 90% de sites neonazistas, eram até 300 mil visitas, medidas pela ferramenta Alexa, o que já é muito hoje, mas naquela época (2004) era algo gigantesco”, esclarece.
Adriana conta ainda que o Econac era uma página brasileiro-portuguesa, com muitos acessos no país europeu, o que turbinava sua audiência internacional.
Conteúdo
Os banners do então deputado Jair Bolsonaro traziam frases de efeito, sempre reacionárias, e fotos do deputado, que aparece até fardado. Havia também saudações e felicitações à sua base de usuários neonazistas.
Já a carta, cujo cabeçalho registra 17 de dezembro de 2004 como data, traz além da mensagem de fim de ano, pela proximidade com o Natal, um pedido de sessão solene que Bolsonaro fez à Câmara dos Deputados para homenagear militares que, segundo diz o texto, foram “assassinados na guerrilha do Araguaia”.
O trecho mais chocante do pequeno texto é o que revela a importância que esses grupos neonazistas têm para o político extremista.
“Todo retorno que tenho dos comunicados se transforma em estímulo ao meu trabalho. Vocês são a razão da existência do meu mandato”, escreve o homem que hoje despacha do Palácio do Planalto.
Arquivos
Se essas correspondências de Jair Bolsonaro forem oficiais do seu então gabinete de deputado, o material estará arquivado e em backups na Câmara, em Brasília, que mantém registros eletrônicos desde 1995. No entanto, um pedido para acessar o material foi negado à reportagem do site The Intercept, uma vez que o conteúdo não é aberto ao público por uma razão simples.
Por ser considerado de cunho pessoal, o teor de e-mails e correspondências de parlamentares não pode conseguido por meio da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011). A pesquisadora disse que gostaria muito de ter acesso ao acervo, para se debruçar mais sobre o assunto, mas que decisões que permitam ver esses conteúdos não dependem dela, mas sim das autoridades.
“A gente pediu oficialmente à Câmara as documentações, porque se ele pagou esses banners, tudo estaria dentro de uma cota chamada ‘telefonia’ e aí haveria nota fiscal, mas nós não temos como saber. Caberia à Justiça, ao Ministério Público Federal, a alguém que se levante e fale ‘vamos investigar isso!’. Eu até gostaria de fazer isso, mas não posso”, finalizou Adriana.