Desde que assumiu a presidência da República, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, têm dito que vão ampliar e melhorar o programa Bolsa Família, criado na gestão do ex-presidente Lula (2002-2010).
Porém, desde 2019, o governo federal não amplia o valor e nem paga as mais de 1,2 milhão famílias que tiveram os seus respectivos cadastros aprovados pelo Ministério da Cidadania, ou seja, estão aptas para receber o benefício.
A situação piora com a chegada da pandemia e a crise econômica, pois, com o olho focado na agenda eleitoral de 2022, Bolsonaro passa a priorizar o auxílio emergencial que, inicialmente, seria de R$ 150, mas a oposição no Congresso Nacional em 2020 conseguiu aprovar o valor de R$ 600.
Porém, o auxílio emergencial termina em agosto deste ano, e é importante destacar que, a segunda rodada do programa conta com parcelas de R$ 150, abaixo do valor da cesta básica.
Como o governo federal não amplia o número de famílias contempladas pelo Bolsa Família desde 2019, hoje cerca de 1,2 milhão de cadastrados aguardam para receber o benefício.
Em entrevista exclusiva à Fórum, a ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e uma das criadoras do programa Bolsa Família, a economista Tereza Campello, que atualmente é pesquisadora convidada do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde e professora titular da Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares, da USP, afirma que é preciso olhar para além do 1,2 milhão de cadastrados que aguardam pelo recebimento do benefício.
"Se você tem 1,2 milhão de famílias, significa que você tem em torno de 4 a 5 milhões de pessoas sem benefício. Gente que já comprovou a situação e que deveria estar recebendo. Numa situação como essa, com o percentual de desemprego muito alto, muito dificilmente essas famílias vão conseguir alcançar o emprego. Então isso é de uma crueldade a toda prova e o governo de Jair Bolsonaro não apresentou uma proposta sequer", critica Campello.
A ex-coordenadora do Bolsa Família também atenta para o fato de que "a situação de insegurança alimentar dessas famílias é dramática. Quando a pessoa não sabe o que vai acontecer no mês que vem, é uma situação precária. O dinheiro do auxílio emergencial não está cobrindo nem a comida. A cesta básica em São Paulo é R$ 626 reais. Para ter uma cesta básica, o R$ 600 já não era suficiente, agora imagina os R$ 150".
Para Campello, a atitude do governo de Jair Bolsonaro "é uma crueldade, é um genocídio com essas famílias. E o governo, comprovadamente tem recursos para cobrir essas famílias. Está sobrando recursos e essas famílias estão descobertas".
Além do fato de milhares de pessoas estarem aguardando pelo Bolsa Família, Tereza Campello também fala sobre a atualização do valor do programa e para explicar isso, ela compara com o valor à época do governo Dilma Rousseff (2011-2016).
"O poder de compra do Bolsa Família hoje seria de R$ 300, só que naquela ocasião a gente tinha 4% de desemprego. Então hoje você tem mais de 20% de desemprego, se somar o desemprego aberto e o oculto, e eles dizem que vão aumentar e vão fazer um programa muito melhor, não vão conseguir nem chegar no valor do Bolsa Família de 2014", analisa Campello.
Em seguida, a economista explica que o país pode viver uma situação de miséria inédita em sua história. "É uma situação dramática. Se eles não fizerem nada, a situação de caos e de desproteção será um padrão jamais visto na história do Brasil recente, do pós-Segunda Guerra. Nós desconhecemos uma situação parecida."
Geração perdida
Outro grave problema que surge com a miséria e desnutrição, é o quanto isso afeta as crianças e o futuro do Brasil.
"Em dezembro de 2020 já tinha 50% da população brasileira em situação de insegurança alimentar. Então, imagina sem auxílio emergencial nenhum. É a barbárie. Além do sofrimento da fome, essas crianças que passaram os primeiros quatro meses do ano sem comer direito… Quando a gente fala situação de insegurança alimentar grave, é porque ela já chegou nas crianças", explica Campello.
Com isso, há o risco de o país perder uma geração. "As crianças do Brasil estão há 4 meses sem alimentar direito. Essas crianças estão com o seu desenvolvimento comprometido. Nós estamos perdendo uma geração. O Brasil está perdendo uma geração", lamenta.
As políticas de agenda social, explica Campello, são importantes e ajudam "o Brasil a ter um projeto de desenvolvimento sustentável. Esse debate de dizer que não tem dinheiro é burro, porque esse dinheiro retorna para a economia".
"O dinheiro que você coloca na mão da população, não é um dinheiro que as pessoas vão guardar, eles gastam com o básico e essencial. Eles gastam com produtos feitos dentro do Brasil, isso tem um retorno muito positivo", explica.
Por fim, Tereza Campello afirma que é preciso abandonar a política de austeridade fiscal, pois, tal método só traz prejuízo social. "É um equívoco fazer esse debate pautado pela austeridade fiscal que não é seguido por nenhum país no mundo e lamentavelmente eles não aprenderam nada."