O Arcebispo Metropolitano de Uberaba (MG), Dom Paulo Mendes Peixoto, divulgou na noite desta terça-feira (4) um um manifesto em que cobra do poder público um "lockdown rigoroso" na cidade, que vive uma situação de descontrole da pandemia do coronavírus.
No "Manifesto Em Defesa da Vida", que também é assinado por padres da cidade, é destacada a situação crítica pela qual passa o município, que em abril registrou recorde no número de mortes e casos confirmados de Covid-19. O documento público da Arquidiocese de Uberaba vem após os recentes óbitos de quatro padres em decorrência da doença. Ao todo, o município, que está com seu sistema de saúde sobrecarregado, contabiliza 801 mortes e mais de 24 mil casos positivos de coronavírus.
"Nós, Arcebispo Metropolitano e padres da cidade de Uberaba, motivados pela exigência da fé e da nossa missão evangelizadora, dirigimo-nos ao Poder Público Municipal – Executivo, Legislativo e Judiciário –, bem como aos cidadãos e cidadãs uberabenses, para manifestar nossa preocupação, indignação e propostas frente ao cenário de dor, marcado pelo agravamento da pandemia do novo coronavírus, em nossa cidade", diz um trecho do manifesto.
"O elevado número de óbitos e de pessoas testadas com resultados positivos nos últimos dias, a possibilidade de colapso no sistema de saúde, a crise social e econômica... confirmam que estamos vivendo o pior momento da pandemia, em Uberaba. Diante desse cenário sem precedentes, observamos, estarrecidos, o negacionismo genocida generalizado, a irresponsabilidade de grande parcela da população em relação às orientações para impedir a circulação do vírus, a morosidade da vacinação, a omissão de lideranças em relação aos mais pobres e vulneráveis, roubados em sua dignidade", continuam os religiosos.
Apesar da gravidade da situação, a prefeita do município, Elisa Araújo (Solidariedade), renovou nesta terça-feira (4) o decreto que trata das medidas de contenção da disseminação do vírus sem impor novas restrições. Atualmente, as regras estão bem flexíveis e bares e restaurantes, por exemplo, estão podendo funcionar todos os dias, até às 20h, inclusive com a permissão para música ao vivo. Além disso, a mandatária municipal, em março, chegou a anunciar que a prefeitura ofereceria medicamentos do chamado "tratamento precoce", defendido por Jair Bolsonaro, a quem quisesse, mesmo diante do fato de que especialistas e a Organização Mundial de Saúde (OMS) não recomendam a prática.
Diante deste cenário, o arcebispo e os padres de Uberaba pedem para que a prefeitura implante medidas mais restritivas. "Não é hora de flexibilizar, mas de reforçar as medidas que auxiliem o controle da situação. Ainda que impopulares, buscar, com lucidez, estratégias corajosas e corretas, embasadas na ciência e na solidariedade", afirmam.
Entre as propostas da arquidiocese, estão, além do lockdown, auxílio emergencial suficiente à população pobre, renda mínima aos proprietários e funcionários das pequenas e médias empresas, fiscalização mais efetiva com multas e cobranças das mesmas, rapidez no processo de imunização, além de audiências públicas em busca de soluções para a crise.
Até o momento a prefeitura de Uberaba não se pronunciou sobre o manifesto dos religiosos. Confira, abaixo, a íntegra.
MANIFESTO EM DEFESA DA VIDA
Dom Paulo Mendes Peixoto e padres da cidade de Uberaba
“Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” – Lc 10,33-34
Nós, Arcebispo Metropolitano e padres da cidade de Uberaba, motivados pela exigência da fé e da nossa missão evangelizadora, dirigimo-nos ao Poder Público Municipal – Executivo, Legislativo e Judiciário –, bem como aos cidadãos e cidadãs uberabenses, para manifestar nossa preocupação, indignação e propostas frente ao cenário de dor, marcado pelo agravamento da pandemia do novo coronavírus, em nossa cidade.
Inicialmente, prestamos nossa homenagem aos aproximados 800 mortos pela COVID-19, em Uberaba. Às queridas famílias dessas vítimas dirigimos uma palavra de solidariedade, extensiva aos nossos irmãos e irmãs enfermos e desempregados. Apresentamos nossa gratidão sincera aos que se encontram nas chamadas “linhas de frente”, arriscando-se para salvar vidas.
O elevado número de óbitos e de pessoas testadas com resultados positivos nos últimos dias, a possibilidade de colapso no sistema de saúde, a crise social e econômica... confirmam que estamos vivendo o pior momento da pandemia, em Uberaba. Diante desse cenário sem precedentes, observamos, estarrecidos, o negacionismo genocida generalizado, a irresponsabilidade de grande parcela da população em relação às orientações para impedir a circulação do vírus, a morosidade da vacinação, a omissão de lideranças em relação aos mais pobres e vulneráveis, roubados em sua dignidade.
Sabemos que a responsabilidade é de todos, sobretudo de quem tem a missão primordial de cuidar da vida do povo e zelar pelo bem comum. Por isso, “não é justo jogar o ônus da imensa crise nos ombros dos mais pobres e dos trabalhadores”, assim nos adverte o Pacto pela Vida e pelo Brasil.
Como discípulos-missionários d’Aquele que abraçou radicalmente a luta pela vida (“Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância”: Jo 10,10) com a tarefa de prosseguir a sua missão humanizadora (“Eu vos envio”: Jo 20,21), queremos contribuir para a mudança desse cenário.
Considerando tal realidade desafiadora, não é hora de flexibilizar, mas de reforçar as medidas que auxiliem o controle da situação. Ainda que impopulares, buscar, com lucidez, estratégias corajosas e corretas, embasadas na ciência e na solidariedade. Assim, propomos:
Planejamento claro das ações do Executivo Municipal, acompanhado pelo Legislativo e Judiciário, incluindo lockdown rigoroso, coordenado e acordado entre municípios da região; auxílio emergencial suficiente à população pobre e renda mínima aos proprietários e funcionários das pequenas e médias empresas, pelo tempo necessário; incremento geral à economia; fiscalização mais efetiva com multas e cobranças das mesmas; rapidez no processo de imunização e maior descentralização de espaços para tal; audiências públicas em busca de soluções. À sociedade, advertimos sobre o risco da automedicação; sobre a necessidade da observância atenta aos protocolos de prevenção à COVID (usar máscara, higienizar as mãos, evitar aglomeração...) e outras iniciativas que ajudem a superar essa crise.
Em meio a tanta “escuridão”, descobrimos fortes sinais de esperança: profissionais e servidores de “linhas de frente” arriscando-se para salvar vidas; ações solidárias e gestos de cuidado; a vacinação, sinalizando para o controle da pandemia; o número de atendidos e recuperados; o Pacto pela Vida e pelo Brasil... Somando-se a isso, o espaço fecundo das comunidades de fé, de onde brotam numerosos gestos de partilha, de conscientização e de cuidado.
Por fim, conclamamos toda a sociedade a assumir uma luta coletiva em favor da vida. A crise é oportunidade de mudar para melhor, como nos assegura o Papa Francisco. Então, queremos sair dela mais humanizados. E, no futuro, ouvir a leitura dos nossos nomes, escritos na página dos que permaneceram, não do lado dos que se omitiram, mas dos que cuidaram, ampararam e defenderam a vida.
“Ainda há esperança porque a história não terminou” (Mons. Juvenal Arduini).
Uberaba - MG, 04 de maio de 2021.